Wednesday, 26 January 2022

A Liberdade Religiosa na Alemanha Hoje

Michele McAloon
Vivo numa pequena aldeia na Alemanha, perto de Frankfurt. A semana passada apareceu um sinal com letras grandes e encarnadas, nas portas da Igreja Católica local, a avisar que quem não apresentar prova de vacinação contra a Covid-19, de recuperação, ou teste feito nas últimas 24 horas, não pode entrar. Durante a missa de domingo – a única altura em que a Igreja está aberta – um paroquiano fica à porta, como um guarda, a verificar o certificado de vacinação de todos os que pretendem entrar.

Num país onde a prática religiosa nos últimos anos tem sido anémica, na melhor das hipóteses, este último golpe pode ser fatal para a vida espiritual dos alemães. Porém, os bispos mantêm-se em silêncio sobre restrições locais e estaduais motivadas pela Covid.

Salvo o que se passou o ano passado quando a anterior chanceler alemã Angela Merkel tentou cancelar a Páscoa – não estou a gozar – não tem havido quaisquer relatos nos media da Alemanha de prelados, ou até cidadãos individuais, a protestar contra ordens governamentais sobre quem é que as Igrejas podem servir durante a pandemia. Merkel acabou por ceder e permitir as celebrações pascais, mas só depois de protestos e pressão de empresários e comerciantes.

A comparação entre a resposta americana e a alemã relativa à regulação de ajuntamentos religiosos diz muito sobre o diferente entendimento de liberdade religiosa nas duas nações.

A reação nos Estados Unidos às restrições a ajuntamentos religiosos não podia ter sido mais diferente. Em Abril de 2020, quando foram introduzidas restrições para prevenir a propagação da Covid-19, surgiu uma verdadeira tempestade de processos judiciais, a alegar a violação da Primeira Emenda.

As batalhas sobre liberdade religiosa foram travadas de forma apaixonada nos tribunais e nos media por organizações como o Becket Fund for Religious Liberty e a Alliance Defending Freedom que interpuseram acções nos tribunais federais contra governadores que emitiram decretos estaduais para impedir as celebrações religiosas. A reação pública foi audível e rápida. O resultado é que durante esta última vaga da pandemia as igrejas têm-se mantido maioritariamente abertas. Os governadores evitam arreliar os eleitores.

Mas ao contrário dos Estados Unidos, onde a Constituição proíbe o governo federal de se intrometer em assuntos religiosos, a Constituição alemã nada diz sobre o assunto. Oficialmente não existe Igreja de Estado na Alemanha, mas desde 1919 que o Governo alemão cobra um “imposto eclesial” (Kirchensteuer, em alemão). Na prática, este imposto transforma a Igreja alemã numa espécie de agência estatal.

Se alguém estiver oficialmente registado como católico, ou membro de outra confissão, são-lhe cobrados mais 8 ou 9% de IRS. A única forma de evitar este imposto é fazendo uma declaração a renunciar a pertença religiosa. Nesse caso, o indivíduo deixa de poder receber os sacramentos ou um enterro cristão.

Em 2020 este imposto gerou 7,75 mil milhões de dólares para a Igreja Católica Alemã, apesar de um número recorde de católicos terem abandonado a Igreja. Em 2019 foram 272,771 os que saíram – um ligeiro aumento em relação aos números de 216,078, em 2018. Contudo, o dinheiro tem comprado silêncio e muito pouca oposição dos bispos (cujo ordenado é pago pelo Estado) quando o governo interfere em assuntos religiosos.

O quarto presidente dos Estados Unidos, e arquitecto da Primeira Emeda à Constituição, James Madison, poderia apontar para a Alemanha como um exemplo para o não financiamento das igrejas pelo Estado. Na sua excelente biografia James Madison, America´s First Politician, Jay Cost mostra como o jovem Madison entrou na arena política precisamente através da luta pela liberdade religiosa.

A Colónia de Virgínia designou o Anglicanismo como religião de Estado e de seguida passou a cobrar impostos para financiar a igreja. O tratamento desigual e por vezes abusivo de outras denominações religiosas na colónia – tanto da parte de representantes do Governo como dos cidadãos – revoltou Madison. No seu discurso na Assembleia Estadual observou que as Igrejas de Estado “tendem para grande ignorância e corrupção” por causa da promoção do “orgulho, ignorância e malandrice” e “vício e maldade entre os leigos”. Madison acabou por convencer os seus concidadãos a deixarem de financiar as igrejas, e esta experiência ao nível do Estado sublinhou a necessidade da Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos.

Tendo em conta a diferença na lei alemã, não admira que o infame Caminho Sinodal da Conferência Episcopal (que está a ser acompanhada de perto por leigas particularmente estridentes) se tem desviado rumo à corrupção (como Madison avisou), tentando abençoar uniões homossexuais, a ordenação de mulheres e até a abolição do sacerdócio. Entretanto a evangelização – a missão central da Igreja – tem sido quase completamente esquecida.

Os bispos alemães têm feito ouvidos moucos aos apelos repetidos do Papa Francisco para se focarem na evangelização, dada a “crescente erosão e deterioração da fé”. Numa carta de 28 páginas endereçada aos bispos, o Papa Francisco escreve: “Sempre que uma comunidade eclesial tentou resolver os seus problemas sozinha, dependendo apenas das suas próprias forças, métodos e inteligência, acabou por multiplicar e fomentar os males que pretendia ultrapassar.” Ironicamente, em resposta, os bispos acentuaram os seus esforços. Desde 2019, quando o Papa escreveu a carta, vários bispos encorajaram publicamente a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo. Porém, a Conferência Episcopal tem-se mantido em silêncio sobre as restrições ao culto religioso motivados pela Covid-19.

A maioria dos alemães que continuam a ir à missa são católicas fiéis e ortodoxos que não concordam com o caminho sinodal. Mas mantêm-se em silêncio, com medo de uma sociedade religiosamente intolerante e obcecada com regras. Resta ver se estes poucos crentes – o último bastião de católicos fiéis na Alemanha – irá cumprir com as regras de admissão nas suas igrejas locais.

Historicamente, não é despropositado nem xenófobo perguntar o que pode vir a preencher o vazio numa Alemanha espiritualmente despojada ou, por falar nisso, noutra nação qualquer. Mas dêem graças pelo barulho e a revolta demonstrados pelo povo americano – por mais preocupante que possa parecer no momento. Desde a fundação dos Estados Unidos até hoje, a luta dos americanos pela liberdade religiosa tem tido consequências muito para além das suas fronteiras.


Michele Malia McAloon é casada há quase 28 anos. É mãe, oficial das Forças Armadas americanas na reserva e advogada de direito canónico. Vive em Wiesbaden, na Alemanha. Pode ouvir o seu podcast “Cross Word” no Spotify, Apple Podcasts e archangelradio.com.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quinta-feira, 20 de Agosto de 2022)

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