Wednesday, 1 December 2021

Gratidão, Expectativa e Advento

Francis X. Maier

Este ano o Natal – aliás, peço desculpa, a época festiva – começou no início de Outubro. Foi nessa altura que vi o meu primeiro anúncio pré-Black Friday. Sim, parece um bocado prematuro, mas nunca é cedo para começar a comprar coisas. E numa economia em crise a satisfação dos nossos apetites, comprando mais do que quer que seja, é uma espécie de juramento da bandeira patriótico, real e muito prático. Falando por mim, gosto sempre de preparar estes festejos de Outono lendo dois dos meus textos festivos favoritos.

O primeiro é um clássico ensaio de Natal de Neio Postman, “A Parábola da Mancha no Colarinho”, sobre uma dona de casa despassarada que compra o detergente errado para as camisas brancas do marido. Podem ler aqui. Postman nota que “os anúncios de televisão são uma espécie de literatura religiosa. Comentá-los de forma séria é um exercício de hermenêutica, um ramo da teologia que se ocupa da interpretação e explicação das Escrituras”.

Os anúncios de televisão mais importantes, diz ele – e recordemos que o comércio de Natal tem um papel salvífico para muitas empresas – “assumem a forma de parábolas organizadas em torno de uma teologia coerente. Como todas as parábolas religiosas, propõem um conceito de pecado, apontam o caminho de redenção e uma visão do Céu. Também sugerem quais são as raízes do mal e quais as obrigações dos santos”.

Postman escreve:

Nas parábolas dos anúncios de televisão, a causa do mal é a Inocência Tecnológica, o desconhecimento dos detalhes dos sucessos benévolos do progresso industrial. Esse desconhecimento é a principal fonte da infelicidade, humilhação e discórdia na vida. E como se vê de forma poderosa na parábola da mancha, as consequências dessa inocência podem surgir a qualquer momento, sem aviso, e com toda a força da sua acção fulminante.

Acrescenta:

Não é fácil saber precisamente quando, como povo religioso, trocámos a nossa fé nas ideias tradicionais de Deus pela crença na força enobrecedora da Tecnologia, mas os anúncios de televisão constituem a maior fonte de literatura que possuímos sobre este nosso novo compromisso espiritual.

Tal como outros textos religiosos, “A Parábola da Mancha no Colarinho”, agora já com cerca de 40 anos, perdeu algum do seu contexto social. As críticas feministas e os especialistas em estudos do género podem ser particularmente hostis quanto a esta parábola. Contudo, ela contém um ensinamento-chave da ortodoxia americana moderna: desejar bugigangas é bom; comprar coisas é ainda melhor; e quanto mais quantidade e mais novas forem as coisas, melhor. Menos que isso é suspeito.

Claro que há outra forma de pensar sobre a temporada que começa este domingo, se bem que menos comercial, em tempos conhecido como “Advento”. Incrivelmente ainda há alguns seguidores de Jesus que usam esse termo.

O que me leva a Alfred Delp e o Advento do Coração, o segundo texto que leio sempre nesta altura do ano, e que é muito mais emocionante.

Os americanos nunca viveram uma ditadura política. A última guerra travada no nosso solo acabou há mais de 150 anos. Logo, para muitos de nós é difícil imaginar a vida nos regimes totalitários do século passado. Mas esses regimes, e toda a selvajaria catastrófica que soltaram, foram muito reais, tal como documentado por testemunhas desde Elie Wiesel a Alexander Solzhenitsyn. O Terceiro Reich assassinou milhões de vítimas inocentes, incluindo milhares de mártires cristãos. Alguns, como Dietrich Bonhoeffer, o pastor luterano e teólogo, são bem conhecidos. Alfred Delp, o padre jesuíta alemão, estão entre os mais significativos.

Alfred Delp S.J.

O Advento do Coração é uma coleção dos textos de Delp sobre o Advento escritos entre 1933, o ano em que os Nazis tomaram o poder na Alemanha, e Dezembro de 1944, semanas antes de morrer. Os textos fazem parte de um diário da fé de Delp e revelam uma alma que, mesmo debaixo de opressão brutal, está recheado de uma claridade, caridade, coragem e beleza penetrantes. No seu ensaio “O Advento Eterno”, escrito em 1933 e dirigido aos jovens, Delp escreve:

Como devemos celebrar a festa

Para a qual nos apressamos?

Que aprendamos a celebrá-la

Livres da avalanche de ninharias

Com as quais, tão facilmente, se submerge

O grande sentido deste dia santo

Que possamos encarar de frente

A grande, santa realidade do Natal.

No Advento do Coração encontram-se ainda as notas de Delp sobre o Advento de 1935, bem como as homilias e meditações sobre o Advento dos anos entre 1941 e 1944 e ainda as meditações da prisão de Tegel, das últimas semanas da sua vida. Quando a guerra começou a virar-se contra a Alemanha, aumentaram os bombardeamentos aliados e a repressão Nazi contra a dissidência subiu de tom. Delp continuou a enfatizar três temas do Advento: gratidão pelo dom da vida; esperança e alegria na expectativa do Natal; e confiança inabalável na Segunda Vinda de Cristo, o seu triunfo e a sua justiça.

Em 1942-1943, com o apoio do seu superior jesuíta, Delp juntou-se ao Círculo Kreisau, um grupo de resistência cristã preocupado com a reconstrução de uma Alemanha desnazificada depois da guerra. Juntamente com muitos outros, foi detido em Julho de 1944 depois de uma tentativa falhada para matar Hitler, apesar de não ter tido qualquer envolvimento. Foi interrogado e torturado durante seis meses. Algumas das suas meditações de Advento foram escritas em algemas e contrabandeadas para fora da prisão no meio da roupa suja. Em Janeiro de 1945 foi condenado por traição e sentenciado à morte pelo juiz homicida Roland Freisler, que presidia ao Tribunal Popular do Terceiro Reich. No dia 2 de Fevereiro de 1945 foi enforcado. Menos de 24 horas mais tarde, num pormenor de justiça divina, Roland Freisler morreu, atingido diretamente por uma bomba americana.

Entre as palavras de Delp que nos chegaram encontram-se estas:

Jamais experimentaremos o nosso desejo primordial e saudoso por Deus de forma mais activa e desperta que nesta época… O Advento é o tempo do que busca Deus. O desejo original contido em cada coração humano é um grande impulso em direcção ao Deus distante e escondido, um anseio para caminhar naquela longínqua e esquecida pátria da alma. Esse anseio é o que a Igreja exprime, tanto na sua atitude interior como na liturgia desta época.

Alfred Delp morreu a acreditar nessas palavras. Podemos pelo menos tentar vivê-las neste advento e, ao fazê-lo, entrar no verdadeiro coração do Natal.


Francis X. Maier é conselheiro e assistente especial do arcebispo Charles Chaput há 23 anos. Antes serviu como Chefe de Redação do National Catholic Register, entre 1978-93 e secretário para as comunidades da Arquidiocese de Denver entre 1993-96.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na sexta-feira, 26 de Novembro de 2021)

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