Monday, 6 December 2021

Entrevista ao padre Joseph Santos, 2010

Esta entrevista foi feita antes de eu ter o blog, por isso nunca publiquei a versão integral. Até a reportagem que foi feita já não se encontra online. Publico hoje, no dia em que soube da morte do padre Joseph Santos, esta conversa que tive com ele em Setembro de 2010. As fotos são da mesma ocasião


É raro celebrar-se em Portugal o Rito Bracarense. Qual é a sua grande riqueza?

Em parte é a sua história própria e o conteúdo das suas orações, que são diferentes do rito romano. Um exemplo que tivemos hoje e que desconhecia é que mesmo um santo tão desconhecido como São Gorgónio, todos os textos, menos o texto do Evangelho, eram diferentes dos textos do rito romano, e até o Aleluia nem estava no rito romano, era uma antífona completamente diferente do rito romano.

Outra coisa é a riqueza das orações, especificamente as orações de preparação para a comunhão do sacerdote, e tem pelo menos dois que são diferentes do rito romano, e revelam uma devoção eucarística muito profunda.

Isto não é para dizer que o rito romano tem problemas, todos temos. E Deus sabe que Braga, durante a sua história teve sempre problemas com o seu próprio rito, entre os padres, entre os bispos, entre os cónegos da sé, mas não podemos negar que quando o Concílio Vaticano II chamou para a inculturação da liturgia, não tenho dúvida que tinha em vista estes velhos ritos ocidentais, como o de Milão, o Moçárabe [em Toledo], de Braga, como formas de inculturação, em que o povo acarinhava o rito romano, mas também queria fazer do Rito Romano deles. Então entravam aspectos que representavam a sua própria história, as suas lutas contra as heresias, como por exemplo a heresia do pelagianismo aqui na Península Ibérica, e isto enriqueceu o rito romano de uma forma própria, que não é igual ao milanês, que não é igual aos outros ritos ocidentais que apareceram na mesma época.

E também Braga sempre teve uma queda para Roma. Vemos logos nos primeiros tempos uma carta do bispo, ao Papa Vergílio, a perguntar como podia celebrar a liturgia como em Roma, e recebeu o Cânone Romano e outros documentos. E quando foi imposto no reino suevo e na Galiza o rito moçárabe, foi uma mudança radical e logo quando foi reimposto o rito romano por Afonso de Castela e Leão, no século XI, Braga voltou e pegou em algumas coisas do seu antigo rito que não eram bracarenses, mas eram aspectos do romano antigo, do Gregório VII e anterior, que só ficou em Braga, desapareceu até em Roma. Mas sabemos pelos estudos que estas cerimónias foram feitas em Roma, nas missas papais, deixaram de existir em Roma, mas continuaram em Braga.

Na prática, hoje em dia o rito não é celebrado… Como vê isso?

De facto, todos os sacerdotes da arquidiocese de Braga são permitidos celebrar o rito bracarense, e o rito bracarense permanece em toda a Arquidiocese de Braga. Essa foi a última determinação de Roma. Mas no mesmo documento diz que todos os sacerdotes de Braga podem usar o rito novo. E como já existiam os livros em português, o cerimonial era muito mais simplificado, e pelo menos na zona de Braga, com tanto trabalho naquela época os padres foram pelo caminho de menos esforço.

E o Povo, enquanto o sacerdote não mexia nas festas, nas devoções, na bênção do santíssimo e estes aspectos de piedade popular, o padre tratava da missa, eles tratavam do resto, e por isso não houve uma grande revolta, enquanto nos países anglo-saxónicos o que aconteceu foi que acabaram com as procissões, acabaram com as devoções, mandaram tudo fora da porta, ficaram só com a missa e depois quiseram mudar isso também, e o povo disse basta.

Em Inglaterra, por exemplo, havia um indulto desde o tempo do Cardeal Heenan, em que se podia celebrar o rito antigo romano. Mas aqui não houve este problema, também não houve tanta experimentação estúpida como houve noutros países. Penso que aí Portugal estava mais saudável, liturgicamente falando.

Está a participar numa peregrinação de um grupo tradicionalista católico americano com o objectivo de chamar atenção para o rito tridentino. Qual a importância disto nos dias de hoje, em Portugal?

Primeiro não gosto de os chamar tradicionalistas, porque isto tem um mau sabor, particularmente entre o clero e o episcopado português. São pessoas que, como disse o Papa Bento XVI, têm um amor pela forma tradicional de liturgia.

E porque a liturgia tradicional tem várias formas, não é só o rito romano, monolítico, mas tem várias, acho que é essencial para as pessoas que às vezes vêm com uma atitude possivelmente um pouco mais fechado, de abrir-se para as outras possibilidades que já existiam antes do Concílio e que existem outra vez hoje. Porque como sabemos a última consulta feita à Santa Sé sobre o Sumorum Pontificum, diz que também se aplica ao rito ambrosiano, bracarense e moçárabe, por isso não há obstáculo nenhum a celebrar o nosso rito, nesse sentido.

Essa variedade de liturgia ajuda também a ver que há bem na própria variedade. Que o rito novo é uma expressão que pode ser boa e necessária para a Igreja, também o rito antigo tem o seu lugar e o seu valor, também o rito bracarense, o dominicano, o ambrosiano, beneditino e os outros grupos que tinham as suas variedades.

Isto é importante porque se nós começamos a ver só o Romano, como até no relatório sobre o rito bracarense, que foi feito por D. Francisco Maria da Silva, alguns sacerdotes queriam usar o rito romano só por ser romano, e mais nada, é uma pena que olhemos para a liturgia assim, quando há uma riqueza litúrgica no mundo que é tão vasta, desde os ritos orientais, da índia, que podemos conhecer… e isto enriquece-nos a nós. Não para dizer que vamos pegar nas coisas daqueles ritos e meter no nosso, mas para conhecê-los, para aproveitar as orações para nós mesmos, para a nossa própria espiritualidade. Faz muita falta isso.

Alguns pensam que estas coisas são pequenas, mas muitas coisas neste mundo são pequenas e tornam-se importantes para quem as ama.


Existe uma versão actualizada, já reformada do rito bracarense…

O rito bracarense nunca foi reformado, foi traduzido só. Há um livro do ordinário da missa que foi publicado no tempo de D. Francisco Maria da Silva, e distribuído a todas as paróquias da arquidiocese de Braga e de Viana de Castelo, naquele tempo, que tem de um lado o rito em latim e do outro em português, mas sem alteração nenhuma, porque a Santa Sé rejeitou as mudanças que foram propostas. E está na carta do arcebispo Bugnini, na introdução, que diz que foi decido que para manter a integridade do rito bracarense não se muda nada. E acabou.

Por isso se agora querem fazer outra examinação, isso é com o Sr. Arcebispo de Braga.

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