Wednesday, 24 November 2021

O Último Preconceito Socialmente Aceite

David G. Bonagura Jr.
“Julgava-te mais inteligente que isso”, e “já chega!” foram dois dos comentários que recebi de amigos de infância que voltei a ver recentemente num velório, depois de vários anos. Estavam em choque com a notícia de que eu tenho seis filhos.

Como muitos leitores do The Catholic Thing, alguns dos quais com o dobro dos meus filhos, sabem, estes estão entre os comentários mais polidos que os pais de famílias numerosas recebem de pessoas incrédulas, gozonas ou frequentemente hostis. Nesta minha experiência recente pelo menos esses dois amigos não recorreram a golpes sujos, como às vezes acontece. Desse género o menos pessoal é o recorrentemente usado: “mas vocês não têm televisão?”

A nossa sociedade já não tolera comentários ofensivos sobre a aparência ou a etnia de alguém. Não é aceitável, na maior parte dos casos, ridicularizar uma pessoa por causa da sua religião, apesar de a religião em si ser um alvo comum dos intelectuais “iluminados” e das figuras públicas. Já lá vai o tempo em que o anticatolicismo era considerado o “último preconceito socialmente aceite”. Mas as acções preconceituosas, desde comentários ofensivos a vandalismo de estátuas, costumam ser recebidas por legiões de defensores, tanto institucionais como individuais, que estão dispostos a dar o corpo ao manifesto pela fé. Pelo menos os detratores não podem ser anticatólicos e sair incólumes.

De igual forma, hoje estamos proibidos de comentar sobre o “estilo de vida” de outro – ou pelo menos de certas escolhas. O caixa do supermercado não dirá nada sobre o cliente com vários piercings, tatuagens, roupa rasgada e cabelo pintado de roxo. As redes sociais suspendem as contas de utilizadores que fazem comentários negativos nesse sentido, ainda que a admissão dessas mesmas “escolhas de estilo de vida” fosse impensável há uns anos. 

Mas quando se chega ao “estilo de vida” de ter uma família numerosa, o filtro pessoal e social desaparece. Depois de deixar passar o punk, porque é que o caixa se sente obrigado a perguntar-me se são todos meus quando me aproximo com os meus filhos? As redes sociais exercem algum tipo de vigilância em defesa daqueles que são ridicularizados por ter famílias numerosas? Desde estranhos a conhecidos, parece que as pessoas simplesmente não conseguem deixar de comentar as famílias grandes. “Eles têm, tipo, seis filhos”, disse recentemente o dentista à sua nova assistente, como se esse facto tivesse alguma coisa a ver com o arranjo dos dentes do meu filho.

Às vezes até gente de ir à missa, bem-intencionada, contribui para este assalto às famílias numerosas. Há anos que ouço, pelo menos uma vez por mês, uma variação da boca “deves ter as mãos cheias”. Mais do que uma vez, depois da missa, alguém usou os dedos para contar os meus filhos na minha presença, como se fosse incompreensível para ele o que estava a ver.

Mas o pior, porém, são as ofensas que os meus filhos adolescentes ouvem dos seus pares, de tempos a tempos, sobre os seus pais. Não os posso reproduzir aqui para este público bem-educado, mas não terão dificuldades em imaginá-los.

Tantos golpes, vindos de todos os lados, levam-me a concluir que esta animosidade para com famílias numerosas é o último preconceito aceitável na América.

Os pais de famílias numerosas sabem muito bem que estão nas margens de uma sociedade que transformou as crianças em comodidades, em vez de as colocar no centro, enquanto objetivo, da vida de casal. Na Cultura da Morte as famílias pequenas são a norma esperada. Afinal de contas, quantas pessoas são encorajadas agora a pensar na maçada que é criar crianças durante anos a fio, prejudicando assim o tempo de lazer do pai e da mãe.

A família d'Avillez saúda a Cultura da Morte

E agora, com a ideologia do clima no pico da moda, devemos esperar que as famílias pequenas se tornem não apenas a norma, mas mesmo um requisito? Os especialistas em alterações climáticas dizem-nos que a melhor forma de cortar com as emissões de carbono é reduzir o número de filhos. Da ridicularização dos pais que têm muitos filhos até à pressão para que não os tenham, é um curto passo.


A Cultura da Morte e a ideologia do clima têm sido perigosamente bem-sucedidas na sua missão: em vários países do mundo há uma queda populacional, com governos na Europa e na Ásia a pagar às famílias para terem mais filhos. E por “mais” querem dizer um, dois ou pelo menos três, por oposição a nenhum. Estes esforços não acontecem para afirmar o bem que são as crianças, porém, mas para limitar as consequências de um inverno demográfico. Já não há nação sobre a terra que cultive aquilo que em tempos era compreendido pelo termo “típica família católica irlandesa”.

Num mundo assim as famílias numerosas continuarão a ser um alvo a abater. São sinais de contradição: testemunhos de vida, amor e sacrifício numa cultura que optou pela morte, apatia e egoísmo. As reações automáticas quando se vêem muitos filhos revelam claramente uma consciência pesada.

Uma vez que a principal razão pela qual pais católicos optam por ter muitos filhos, nos dias de hoje, é o amor a Deus, encontramo-nos novamente, nesta nossa era descristianizada e secular, na posição do Povo de Israel, diante da escolha apresentada por Deus.

Ponho diante de vós a vida e a morte, a bênção e a maldição. Escolhe a vida para viveres, tu e a tua descendência, amando o Senhor, teu Deus, escutando a sua voz e apegando-te a Ele, porque Ele é a tua vida. (Deut. 30, 19-20)

Talvez nunca tenhamos o equivalente a uma Liga Católica dos Direitos Civis e Religiosos para defender as famílias numerosas da discriminação. Não faz mal, não procuramos defensores neste mundo. Que as famílias numerosas sejam o último preconceito socialmente aceite diz mais sobre os perseguidores do que os perseguidos, que sabiam bem no que se estavam a meter, “porque acreditou em mim, hei de salvá-lo, hei de defendê-lo, porque conheceu o meu nome.” (Salmos, 91,14).

Os pais de famílias numerosas até se podem cansar das bocas e piadas, mas aturá-las-ão com paciência, porque procuram a aprovação de Deus, e não a da sociedade. Temos do Senhor a promessa de que a exclusão social traz a inclusão celestial. Ironicamente, sendo a inclusão o último grito da moda nos círculos iluminados, as famílias numerosas estão a percorrer o caminho mais duro: “Felizes sereis, quando vos insultarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o género de calúnias contra vós, por minha causa. Exultai e alegrai-vos, porque grande será a vossa recompensa no Céu”. (Mt. 5, 11-12)


David G. Bonagura, Jr. leciona no Seminário de São José, em Nova Iorque. É autor de Steadfast in Faith: Catholicism and the Challenges of Secularism, que será lançado no próximo inverno pela Cluny Media.

(Publicado pela primeira vez na segunda-feira, 22 de Novembro de 2021 no The Catholic Thing)

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