Wednesday, 10 November 2021

O que é um Capelão?

John M. Grondelski
O autor Steven T. Collis acaba de publicar um livro chamado The Immortals, que conta as histórias do padre John Washington, do Rabino Alexander Goode e dos pastores Clark Poling e George Fox. Os “quatro capelães” tornaram-se famosos por se terem sacrificado para salvar homens a bordo do Dorchester, um navio americano que foi torpedeado por um submarino alemão, afundando-se ao largo da Gronelândia em Fevereiro de 1943. Deram espiritualmente, como no caso do Pe. Washington, que absolveu soldados que se lançavam para as águas frigidas do Atlântico do Norte para abandonar o navio, e deram fisicamente, todos eles ofereceram os seus coletes salva-vidas a outros homens e as luvas de Goode permitiram a um homem manter-se agarrado a um bote salva-vidas durante oito horas. Revelaram fé em ação, pelas suas obras acalentaram outros (Tiago, 2,16).

Também nos ocorre o sacerdote inglês a quem recentemente foi negado acesso ao deputado Sir David Arness, enquanto este morria depois de ter sido esfaqueado, no dia 15 de Outubro. O padre acorreu rapidamente ao local – como já foi hábito os padres fazer – para administrar a Extrema Unção, mas foi impedido de aceder à vítima para “evitar contaminar” o local do crime. Claramente era mais importante que o homicida enfrentasse um juiz britânico do que ajudar Arness a enfrentar o juiz eterno. Aconteceu o mesmo a padres nos atentados da Maratona de Boston, em 2013. Na mentalidade actual as vítimas de crimes não precisam de capelães.

O Concílio Vaticano II pede-nos que examinemos os “sinais dos tempos”. Mas estes nem sempre são salutares.

Vivemos numa era de secularismo agressivo. Ao longo dos últimos 70 anos os americanos foram bombardeados com propaganda sobre o “muro de separação” que requer que a vida pública seja despida de todas as influências religiosas. Algo que noutros tempos seria considerado um exercício normal da liberdade religiosa que a Constituição garante – como por exemplo o acesso a um capelão – foi transformado de repente numa espécie de súplica por isenção das normas geralmente aplicáveis.

O secularismo cresceu de forma exponencial durante a COVID. Com os opinadores a colocar todas as questões em termos de sobrevivência física, as necessidades espirituais ganharam contornos de “súplica” por “isenções” das “normais geralmente aplicáveis”. De acordo com esse modelo, numerosos políticos consideram que têm autoridade para limitar o culto religioso e hospitais negaram aos seus doentes moribundos acesso aos cuidados espirituais.

A Igreja também não ajudou. O “hospital de campanha” abandonou o barco e os sacramentos não estavam disponíveis nas igrejas encerradas. A experiência de abandono levou muitos crentes a comparar, de forma desfavorável, a fuga de tantos capelães hoje com os quatro capelães que se aguentaram firmes no navio depois de terem salvo, tanto espiritual como fisicamente, o maior número possível de homens.

Os quatro capelães imortais
À luz destas experiências, a decisão da Universidade de Harvard, em Setembro, de nomear o ateu Greg Epstein chefe de capelães até parece fazer sentido. Os defensores da medida relativizaram a sua importância dizendo que este é um cargo sobretudo cerimonial ou administrativo, uma espécie de “primus inter pares” (um termo teológico cristão), como disse um cronista na Bloomberg. Aparentemente isso significa que o capelão se limita a liderar a oração não-denominacional, dirigida a alguém, na cerimónia de abertura, para além de elaborar o orçamento para o ministério universitário e fazer marcações, para além de garantir que os capelães cumprem os seus horários.

Se é isso que ele faz, então temos aqui outra boa razão para cortar na burocracia e nos custos administrativos do ensino superior. Os outros capelães que rodem entre eles a recitação da “oração genérica” enquanto o trabalho administrativo é feito por um assistente competente. Mas eu duvido que a escolha de Epstein tenha resultado de privilegiar as suas capacidades secretariais acima do seu professado ateísmo.

Epstein foi felicitado pela universidade de Harvard pelo seu livro “Good without God”, que defende “os grandes propósitos, a compaixão e a conectividade” sem qualquer fundamento religioso. O capelão “humanista/agnóstico/ateu” de Harvard foi considerado o “padrinho do movimento humanista”. Harvard tem agora um capelão-mor que é “espiritual mas não religioso!” (sem comentários pela “apropriação cultural” de um termo religioso pelos ateus).

Pode-se ser um “capelão” espiritual mas não religioso num local seguro como Harvard, onde as “vítimas” privilegiadas podem sentir a angústia espiritual ao mesmo tempo que estão seguros de estar numa via rápida para um bom emprego e futuro seguro.  Mas desculpem-me a audácia de notar que os capelães não são conhecidos tradicionalmente por permanecer em locais seguros a beber cacau quente e a fazer festinhas a cachorrinhos enquanto conversam sobre coisas fofas e “espirituais” com pessoas que estão… seguras. Os verdadeiros capelães eram vistos antes em locais inseguros: prédios em chamas, atentados, campos de concentração e navios torpedeados.

Como o bispo Robert Barron bem notou, um “capelão” normalmente dirige o culto. Mas o que é que o humanismo ateu “cultiva” para além do seu próprio umbigo? E como disse Karol Wojtyła, uma vez que Deus não é o inimigo do homem, mas antes o seu complemento, um “humanismo” que nega o destino sobrenatural do homem é ao mesmo tempo incompleto e anti-humano. O encorajamento deste tipo de “humanismo”, designando os seus praticantes como “capelães” é um caso de publicidade enganosa.

Na sequência da Covid-19 as pessoas precisam de capelães a sério, do tipo que outrora conhecíamos. Enquanto estes têm visto os seus serviços restringidos somos presentados com “capelães” que pregam o “evangelho do homem” e, pior, políticos que não são capelães mas gostam de fingir que o são na televisão, pregando a salvação de César enquanto proíbem a de Cristo.

Maximiliano Kolbe morreu capelão. Embora não tivesse sido escolhido para ir para o bunker da fome, ofereceu-se para ir no lugar de outro. Dezasseis dias mais tarde, depois de ter mostrado bem o que é o acompanhamento de um capelão, conduziu a sua última congregação até às portas do Céu.

O autor polaco judeu/católico Roman Brandstaetter fez uma vez a seguinte observação sobre um projeto editorial:

O DISPARATE DE IONESCO

Numa entrevista concedida recentemente à imprensa francesa, Ionesco revelou que pretende escrever uma peça de teatro sobre São Maximiliano kolbe. Disse então ao jornalista: “Estou agora num difícil dilema, a pensar como é que posso escrever sobre este drama de forma que não seja transformada numa peça de propaganda à ideia cristã”.

O escritor romeno-francês completou o texto para a ópera Maximiliano Kolbe em 1987. Ajudou a criar o “Teatro do Absurdo” em França, que basicamente rejeita a ideia de que existe um sentido para a vida. Brandstaetter, que era também um excelente argumentista, capturou o absurdo em Ionesco, pois como é que se escreve uma peça de teatro sobre um padre católico que voluntariamente se oferece para morrer à fome num bunker por amor ao próximo, tentando assegurar que “não seja transformada numa peça de propaganda à ideia cristã?”

Por outro lado, talvez Ionesco estivesse a escrever a descrição de funções para aquilo que o mundo moderno procura num “capelão”.


John Grondelski (Ph.D., Fordham) foi reitor da Faculdade de Teologia da Seton Hall University, South Orange, New Jersey.  As opiniões expressas neste texto são apenas suas.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no sábado, 6 de Novembro de 2021)

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