Wednesday, 17 November 2021

Amar a Igreja

Thomas G. Weinandy

Às vezes é difícil amar a Igreja Católica Romana. Os infindáveis escândalos de abusos sexuais não só nos desencorajam como nos tornam cínicos sobre o estado actual da Igreja; ficamos zangados com a sua aparente incapacidade de se reformar. Mas há outras razões para nos preocuparmos. Muitos católicos, hoje, dão a impressão de que não amam a Igreja, não por causa dos seus membros pecaminosos, mas porque não gostam da Igreja no seu estado tradicional.

Consideram as suas doutrinas antiquadas – dogmas mortos do passado, cuja presença sufocante impede a verdadeira renovação. Da mesma forma, consideram os seus ensinamentos morais tradicionais, em especial no que diz respeito ao casamento e à sexualidade, rígidos, impiedosos e inflexíveis que não permitem às pessoas “ser quem verdadeiramente são”.

Estas leis, acreditam, agrilhoam a liberdade dos homens e das mulheres e o seu direito inerente a escolher o que é melhor para si. Na sua opinião os princípios morais da Igreja não fazem mais do que alimentar uma vida infeliz e de recheada de culpa. Uma Igreja assim não pode ser amada. Para ser amada, dizem, a Igreja deve mudar aos níveis mais profundos do seu ser. E os que estão vivos no Espírito são chamados a usar o seu poder político e financeiro para garantir que essa mudança se realiza.

Quando rezava na igreja abandonada em São Damião, São Francisco de Assis ouviu o Jesus crucificado falar com ele: “Francisco, vai e recupera a minha casa que, como vês, está a cair em ruína”. Francisco, na sua simples inocência, começou a pegar em pedras para restaurar aquela capela e outras. Só mais tarde é que percebeu que era a própria Igreja, Corpo de Cristo, que precisava de ser restaurada.

Então o que é que Francisco fez? Saiu para mudar os ensinamentos doutrinais e morais, acabando por rejeitar a própria Igreja? Afinal de contas era isso que alguns dos “movimentos de reforma” dentro da Igreja no seu tempo estavam a propor. Não. Francisco, enquanto filho fiel da Igreja, sabia que ela só podia ser restaurada se a verdade vivificante das suas doutrinas voltasse a ser as pedras sobre as quais ela é edificada. Assim, Francisco, tanto por palavras como por ações, devolveu vida aos mistérios da fé no seio da Igreja.

A sua pregação centrava-se na doutrina da Encarnação. O Filho de Deus existiu realmente como homem no seio de Maria. Tornou-se pobre na nossa humanidade, para que nós nos tornássemos ricos na sua divindade. E que melhor maneira de manifestar esta enorme verdade que encená-la? Então foi isso que ele fez. Encenou a cena do presépio na vila de Greccio. Rodeado de ovelhas, vacas e burros, a Encarnação ganhou vida. E consta que o menino Jesus, filho de Maria e eterno Filho do Pai, apareceu nos braços de Francisco.

As vidas das pessoas foram transformadas. Escutaram o chamamento ao arrependimento do pecado e à fé no seu Salvador. Voltaram a tornar-se pedras vivas da Igreja de Cristo.

Se a Encarnação foi fundacional para o esforço de Francisco de reconstruir a sua Igreja, o seu amor por Jesus crucificado tornou-se o cume. Na Cruz, o pobre Jesus ofereceu a sua vida santa e impecável para remissão do pecado e assim fez por merecer a sua gloriosa ressurreição. Nesta cena dupla Jesus, pelo sangue e pela água que jorrou do seu lado trespassado, gerou a esposa santa e pura – a Igreja.

Por essa mesma esposa, essa mesma Igreja, Francisco sacrificou a sua vida, para a tornar santa de novo. Os estigmas, as marcas físicas dos pregos e da lança, não são simplesmente um sinal de que Francisco era uma imagem viva de Cristo crucificado, mas mais, na medida em que ele, em imitação de Jesus, se ofereceu pela renovação da Igreja. Tal como Cristo é o esposo eterno, adorável e crucificado da Igreja, Francisco foi o esposo adorável e crucificado da Igreja do seu tempo.  

Enquanto os falsos defensores da renovação desprezavam os sacramentos da carne, Francisco gloriava-se na sua materialidade, porque a matéria manifestava a glória de Deus: Irmão sol e irmã lua, irmão fogo e irmã água. A Eucaristia, a mais material de todos os sacramentos, era a maior alegria de Francisco. O próprio pão e o vinho transformavam-se em carne e sangue ressuscitados do Jesus ressuscitado em corpo.

Dessa forma a pessoa entra em comunhão corporal com o próprio Jesus incarnado. A pobreza da nossa carne é enriquecida pela carne ressuscitada de Jesus – uma convivência mútua para a vida eterna. Para Francisco a Eucaristia não era uma doutrina obsoleta, mas sim a fonte e o cume da vida da Igreja. No contexto destas doutrinas carregadas de verdade e de vida, Francisco exortaria os seus contemporâneos a arrepender-se dos seus pecados e viver vidas santas. Francisco não encarava os ensinamentos morais do seu dia como decretos rígidos impossíveis de cumprir. Pelo contrário, tal como experimentou na sua própria vida, Francisco sabia que a crença no Senhor Jesus e o cumprimento dos seus mandamentos, como professados pela Igreja, conduzem a uma liberdade, santidade e felicidade cheios do Espírito.

Francisco reconheceu, à luz da sua insensatez juvenil, que defender a mudança dos ensinamentos morais da Igreja equivalia a oferecer ao mundo a morte – uma vida atormentada na terra e agonia eterna no Inferno. Francisco, no seu amor sacrificial, queria restaurar a Igreja de Jesus e fazer dela um santuário de luz e de vida num mundo escurecido pelo pecado e pela morte.

É difícil amar uma Igreja neste estado. Porém, as palavras que Jesus crucificado proferiu a Francisco ecoam nos nossos ouvidos. “Recupera a minha casa que, como vês, está a cair em ruína”. Francisco e todos os santos são os nossos exemplos. Não somos chamados a edificar uma “nova igreja” sobre as mentiras enganadoras de Satanás. Antes, devemos restaurar a Igreja antiga, mas perenemente nova de Jesus, um templo edificado com as pedras vivas da verdadeira doutrina apostólica, os mistérios da fé que alimentam a santidade na vida.

Fazê-lo é amar a esposa de Cristo – a Igreja desposada por Jesus.


Thomas G. Weinandy, OFM, um autor prolífico e um dos mais conhecidos teólogos vivos, faz parte da Comissão Teológica Internacional do Vaticano. O seu mais recente livro é Jesus Becoming Jesus: A Theological Interpretation of the Synoptic Gospels.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 11 de Novembro de 2021)

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