Wednesday, 20 October 2021

As Ameaças aos Grupos Pró-vida

Randall Smith

A minha mulher e eu fomos convidados por uns amigos para o banquete do Texas Right to Life há poucas semanas. Para quem não sabe, a Texas Right to Life está entre as mais bem-sucedidas, se não é que é mesmo a mais bem-sucedida organização pró-vida nos Estados Unidos. Daí que tenhamos a Lei do Batimento Cardíaco no Texas, que obriga um médico abortista a verificar se existe um batimento cardíaco audível na criança por nascer, proibindo o aborto de qualquer criança em que isso se verifica.

O banquete deste ano foi parecido com o de anos anteriores, mas com uma grande diferença: a forte presença de seguranças. Em todo o lado havia agentes da polícia fardados e com coletes à prova de bala. Isto porque a Texas Right to Life é uma organização sob fogo cerrado, que sofre assédios e ameaças que, temo, apenas vão piorar nos próximos meses e anos.

A organização recebe mais de mil mensagens de voz de ódio todos os dias. E quando digo ódio, é mesmo ódio. Os organizadores reproduziram algumas durante o banquete, eliminando os palavrões frequentes durante as longas diatribes violentas. Recentemente tiveram de evacuar a sede por causa de uma ameaça credível de bomba e estão sob proteção policial 24 horas por dia. O site é atacado 750 mil vezes por dia, incluindo por grupos como o Anonymous. Quem diria que tanta gente reagiria com tanto ódio e repulsa à tentativa de preservar a vida de crianças inocentes?

Mas eu lembro-me de ver filmes das manifestações quando os primeiros alunos negros foram escoltados para a Universidade de Alabama, e de ver multidões de meninas brancas enfurecidas, com saias pelos joelhos, meias brancas e camisolinhas de lã a gritar – a gritar até que quase desmaiavam de fúria – só de pensar na possibilidade de permitir a entrada de um aluno negro na universidade. Lembro-me de pensar “ena, isto é mesmo muita revolta contra uma pessoa negra a entrar numa faculdade”. Mas lá estavam elas, num belo dia de verão, a vomitar ódio, transformando-se em modelos de vergonha para todo o país ver.

Sejamos honestos, portanto. Se o Supremo Tribunal cumprir o seu dever e revogar o Roe v. Wade – a decisão que legalizou o aborto em todo o país – o mais provável é que se desencadeie uma onda de violência que submergirá todo o país. É por isso que eu, pessoalmente, não tenho grandes esperanças de que o tribunal assim faça. Será visto como demasiado arriscado.

Todos sabemos quem promove a violência e quem não. É por isso que eu acredito que o tribunal vai encontrar uma forma de não revogar o Roe, isto é, pelas mesmas razões que muitas das cidades foram colocadas em alerta antes de se anunciarem os resultados das últimas eleições presidenciais. O medo era de que o país teria feito a escolha “errada” e que os progressistas se amotinariam nas ruas. Toda a gente sabe que se o Roe não for revogado os ativistas pró-vida ficarão desiludidos, mas não se tornarão violentos. Se uma decisão leva à violência e outra não, o que é que acham que o tribunal vai decidir?

Mas se o Supremo Tribunal revelar coragem em vez de cobardia, e Roe for revogado, é aí que começará verdadeiramente a batalha pró-vida. E não vai ser bonita. Esperem perseguição. Esperem intimidação. Esperem caos. Uma nação de tal forma comprometida com um mal fundamental simplesmente não estará disposta a abdicar dele de forma pacífica. Se acreditam que uma cultura que se dedicou durante tanto tempo ao “direito” de poder descartar bebés inconvenientes e deficientes agirá de forma diferente do que agiu quando estava a defender o seu “direito” a possuir escravos ou o “direito” à supremacia branca, então não aprendeu nada das lições da história.


As pessoas raramente abdicam do “direito” a dominar outras sem lutar com unhas e dentes. Quando aquilo que está em causa é admitir que toda a nossa visão do mundo é não só errada, mas baseada no apoio a uma instituição que é fundamentalmente injusta e que viola a dignidade humana, as pessoas não se rendem de forma tranquila.

Na década de 50 do Século XIX muita “gente civilizada” preferia não falar da escravatura em público. E assim hoje mesmo alguns padres e bispos católicos preferem não falar da nossa “peculiar instituição”: o aborto. Quero dizer, é tão desnecessariamente embaraçoso. Uma distração. Tão provável que provoque a fúria das elites sofisticadas. É melhor, por isso, evitar a situação e não olhar diretamente para o mal que são homens agrilhoados ou bebés em caixotes do lixo.

No seu excelente livro de memórias “The Shantung Compound”, baseado nas suas experiências num campo de concentração japonês durante a Segunda Guerra Mundial, Langdon Gilkey recorda que sempre que surgia uma questão moral no campo se repetia um padrão. Quanto mais educadas e respeitáveis as pessoas, mais elegantes e avançados eram os seus argumentos em defesa dos seus próprios interesses. Gilkey escreve que “as questões éticas da vida comunitária humana são, por isso, a expressão exterior em acção de questões mais internas, podemos até dizer religiosas. Porque a religião toca na mais profunda lealdade do homem – aquilo que lhe dá o seu sentido de vida e forma os padrões da sua vida… Quando a nossa principal preocupação se prende a um interesse parcial ou limitado, naturalmente não conseguimos evitar manifestações de desumanidade para com aqueles que estão fora desse interesse”.

À medida que avançamos cada vez mais na era pós-cristã e que as preocupações das pessoas já não se prendem com o seu Criador, nem são orientadas pela sua sabedoria e lei, podemos esperar mais manifestações de desumanidade entre os homens. Quando os homens se cansam da ordem divina e ligam idolatricamente a sua identidade a uma ideologia, não demora muito até que gritem “caos, e soltamos os cães da guerra”.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Segunda-feira, 18 de Outubro de 2021)

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