Wednesday, 19 August 2020

O que é que Deus está a Fazer Agora?

Randall Smith
Há quem acredite que consiga ver o “arco da história” e que sabem para onde esta se dirige. Pessoalmente, não tenho jeito nenhum para adivinhações. Eu acredito na Divina Providência, mas não contem comigo para tentar perceber o que é que Deus está a fazer, ou quais as suas intenções num determinado momento.

Se acontecer um conjunto afortunado de eventos, já aprendi a ter cuidado antes de concluir “ah, Deus deve estar contente comigo e quer que eu faça X”, sendo X “casar com aquela miúda”, “aceitar aquele emprego” ou “comprar aquele carro”.

E com os santos aprendi (não que seja grande aluno) que quando acontecem coisas más não devo concluir (como acontece frequentemente) que “Deus claramente odeia-me e quer que eu falhe”.

Eu sei que devo confiar que Deus está a fazer a sua cena, mesmo que eu não consiga compreender o que Ele possa ter em mente, e que devo simplesmente ir confiando naquilo que sei: não matar, não roubar, não mentir, fazer aos outros, amar a Deus como Ele me ama, rezar, amar os meus inimigos. Isto são coisas que Deus deixou muito claras.

Mas mesmo eu começo a desconfiar se Deus não nos está a dizer alguma coisa quando a “cultura do cancelamento” se lança a: Junipero Serra, padroeiro das vocações, numa altura em que precisamos de novos padres como de pão para a boca; do padre Damião de Molokai, um homem que se dedicou a uma ilha que servia para a quarentena de leprosos, numa altura em que precisamos desesperadamente de padres que passem para lá da cortina de ferro da quarentena para ministrar aos doentes; e Flannery O’Conner, uma mulher que escreveu de forma tão brilhante sobre o vazio do Cristianismo americano sem Cristo e sem Cruz, numa altura em que o Catolicismo americano precisa, desesperadamente, das lições que ela tem para nos ensinar sobre como a graça opera num mundo decaído. 

Seria assim tão estranho perguntar se não estamos a ser ensinados neste momento da história através de uma espécie de “psicologia invertida”? Trata-se da técnica através da qual se tenta persuadir alguém, proclamando uma crença ou um comportamento contrário ao desejável, na esperança de que a outra pessoa compreenda o quão tolo, ridículo ou ofensivo é.

O quê? Estão a derrubar estátuas do Serra? Mas precisamos de padres! O quê? Querem ver-se livres do padre Damião? Mas precisamos de padres que visitem os doentes! O quê? “Cancelaram” Flannery O’Connor? Mas as suas obras dirigem-se aos desafios espirituais deste momento cultural mais profundamente do que quaisquer outras!

Ou será esse mesmo o ponto? Ah, seu Deus matreiro!

Mas não olhem para mim. Eu não faço a menor ideia o que Deus tem em mente nestes dias.

Por exemplo, Deus, porque é que uma universidade supostamente católica em Maryland retiraria o nome de Flannery O’Conner de um dos dormitórios?

E porque é que o editor de um “National Catholic Reporter” supostamente católico descreveria Alexandria Ocasio-Cortez, a mesma mulher que descreveu a estátua do padre Damião na capital como um exemplo de “cultura supremacista branca” como “o futuro da Igreja Católica”, elogiando a sua “paixão pela justiça e a dignidade humana”, embora a Ocasio-Cortez apoie o aborto a pedido, o financiamento público do aborto e leis que obriguem os hospitais católicos a fornecer operações que violem as suas crenças?

Porque é que o católico Joe Biden se tornou tão ferozmente pró-aborto, ao ponto de prometer que vai obrigar as Irmãzinhas dos Pobres a pagá-los; aliás, porque é que tantos dos políticos pró-aborto, incluindo Nancy Pelosi e Andrew Cuomo, são “católicos”?

E não é estranho que um homem como Donald Trump se tenha tornado o Presidente antiaborto mais consistente das últimas décadas?

Pe. Damião, amigo dos leprosos
Querido Deus, o que é que andas a fazer? Como é que estas coisas encaixam?

Os santos iluminam todos os tempos, por isso não deve ser mistério algum que eu os ache especialmente iluminadores agora, num tempo de grande escuridão, ou em que os poderes da escuridão parecem ansiosos para extinguir a sua luz. Quando abro a Summa de São Tomás de Aquino, em praticamente qualquer página, encontro palavras de sabedoria para os nossos tempos, por isso não é para mim grande surpresa que as pessoas que odeiam a fé católica queiram que ela não seja lida por ninguém.

Mas porque é que encontro mais interesse por Aquino entre certos protestantes e agnósticos do que encontro em tantas instituições ostensivamente “católicas”? E porque é que essas instituições católicas varreram Aquino, os padres da Igreja e a logica para fora do currículo precisamente numa época em que fazem mais falta?

Porque é que tantas instituições de educação católicas estão num estado tão miserável, sem qualquer sentido de missão católica, competências básicas administrativas, ou respeito pela dignidade dos seus trabalhadores? O Papa Leão XIII propôs que os católicos fossem a levedura na sociedade, para ajudar os estados-nação emergentes a incorporar os princípios católicos, mas isso foi numa altura em que a Igreja Católica tinha o sistema de educação mais impressionante do mundo, desde a primária às universidades mais avançadas. Mas como é que é suposto respondermos agora a esse apelo depois de gerações de líderes católicos terem vendido esse seu direito de nascença por um prato de lentilhas? A sério que não percebo.

Mas não suponho que Atanásio tenha compreendido o que Deus tinha em mente quando o mundo se deixou enlouquecer pelo Arianismo depois do Concílio de Nicéia, como tende a enlouquecer depois de qualquer Concílio Ecuménico desde então. E também não suponho que João Paulo II tenha compreendido o que Deus pretendia quando a sua mãe e o seu pai morreram na sua juventude e depois viu o seu país dominado primeiro pela tirania nazi, depois pela soviética.

Citando T. S. Eliot,

 apreender

o ponto em que o intemporal se cruza

com o tempo, é a ocupação dos santos –

 E isso não sou eu.

Portanto se me perguntarem “qual é a vontade de Deus agora?”, lamento mas não tenho nada melhor para oferecer do que “Não matar, não roubar, não mentir, não cometer adultério, amar o próximo, rezar, amar até os inimigos”. E quanto ao resto, vamos ter de confiar em Deus.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na quarta-feira, 12 de Agosto de 2020)

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