Wednesday, 17 April 2019

O Tempo Dirá

Stephen P. White
Na semana passada soube-se que o Papa Francisco está a trabalhar num documento que regularizará os procedimentos para lidar com alegações de abusos sexuais ou de negligência em lidar com casos de abusos, relacionados com bispos. Não é claro se, ou como, o novo documento altera o motu próprio que o Papa emitiu em Junho de 2016, que se chama “Come una madre amorevole” (Como uma mãe amorosa)

Esse documento sublinhava e clarificava as “razões graves” pelas quais um bispo poderia ser removido do seu ministério eclesiástico, sobretudo no que diz respeito a negligência em lidar com o abuso de menores. Estipula que um bispo pode ser removido por negligência, “mesmo sem falha moral grave da sua parte”. O documento pede ainda a formação de um “colégio de juristas” – uma assembleia de canonistas – para assistir o Santo Padre em determinar se, e como, se devem afirmar as conclusões do Tribunal Apostólico que julga o caso canónico.

Tomemos por exemplo o caso do Arcebispo Anthony Apuron, do Guam. Apuron foi condenado num tribunal canónico por “delitos contra o Sexto Mandamento com menores”. O seu recurso falhou e o Tribunal Apostólico da Congregação para a Doutrina da Fé, com a aprovação e a autoridade do Santo Padre, emitiu uma sentença final, que foi anunciada a semana passada: Apuron foi removido do ministério de Arcebispo, proibido de usar as insígnias do seu cargo de bispo e proibido ainda de viver na Arquidiocese de Agaña. Interessantemente – e ao contrário do que se passou no caso recente de Theodore McCarrick – Apuron não foi removido do estado clerical.

Não foi imediatamente claro porque é que a um bispo condenado de abusar de menores (Apuron) foi permitido continuar no estado clerical enquanto outro (Theodore McCarrick) foi laicizado. Nalguns pontos os casos eram semelhantes – ambos envolviam o abuso sexual de menores – mas McCarrick foi condenado também pelo crime de solicitação no confessionário, uma ofensa grave só por si. Crimes diferentes, sentenças diferentes.

Mas as diferenças não se explicam apenas por alguma espécie de orientações pontifícias. O Papa Francisco tem resistido a mecanismos universais para lidar com os problemas dos bispos, uma abordagem que, pelo menos em teoria, permite que as soluções sejam pensadas à medida da ofensa particular, mas também para o enquadramento social, cultural e política de cada caso. O Colégio de Juristas previsto em “Come una madre amorevole” ajuda-o neste sentido, e pode escolher diferentes juristas para cada caso.

De facto, o Papa Francisco descreveu o processo, e como o acha útil, numa conferência de imprensa no Verão passado, quando regressava de Dublin – uma conferência de imprensa recordada mais pela sua resposta memorável a questões sobre a carta de Viganò, então recém-publicada. O Papa Francisco usou como exemplo o caso de Apuron, que na altura estava na fase de recurso:

O caso mais recente é o de Guam, do Arcebispo de Guam, que recorreu. E eu decidi – porque é um caso muito difícil – usar o privilégio que tenho de ser eu mesmo a ouvir o recurso, em vez de o enviar para o concelho de recurso, que trabalha com todos os padres. Eu é que assumi o recurso. E formei uma comissão de canonistas que me estão a ajudar e eles disseram-me que quando eu regressar, no máximo dentro de um mês, farão uma recomendação para que eu possa emitir um juízo. É um caso complicado, por um lado, mas não por causa das provas, que são claras. Não posso fazer um pré-julgamento, devo esperar o relatório, depois julgo. Mas digo que as provas são claras porque são as provas que conduziram à condenação no primeiro julgamento.

Zanchetta
Há vantagens e desvantagens evidentes para este tipo de processo. Por um lado, pode ser adaptado às necessidades de cada caso, como já vimos. Mas há também uma grande desvantagem. Ao assumir a responsabilidade pessoal por juntar uma equipa de juristas em cuja opinião dependerá para um caso em particular, o Papa Francisco torna-se pessoalmente responsável pelo desenrolar dos casos – e por como os fiéis percepcionam a forma como se lida com cada caso.

A imparcialidade da lei não é igual ao abraço de uma mãe amorosa, e esse é um ponto que o Papa quer sublinhar. Mas não é por acaso que normalmente não deixamos as mães presidir sobre os julgamentos dos seus filhos. Posto de forma mais clara: uma das razões pelas quais a Igreja se encontra nesta crise é certamente porque muitos bispos revelaram demasiada preocupação paternal com os seus padres criminosos, e não foram suficientemente neutros em relação aos crimes terríveis em questão. Isto não foi sempre – ou até frequentemente – por malícia ou más intenções. É fácil entender como poderá ter sido precisamente o contrário.

Não é necessário pôr em questão o juízo do Papa (este, ou qualquer outro) para compreender os perigos inerentes a um processo judicial tão personalizado.

Nem se trata de uma preocupação abstrata. O Papa já cometeu um erro terrível, pelo qual pediu desculpa, ao defender o bispo Juan Barros, no Chile, mesmo ao ponto de denunciar os seus acusadores.

E depois temos o caso do bispo Gustavo Zanchetta, uma das primeiras nomeações episcopais do Papa Francisco. Zanchetta foi removido da sua diocese na Argentina depois de uma série de queixas – incluindo sobre pornografia homossexual encontrada no seu telefone – e trazido para Roma por Francisco. O Papa poderá entender isto como uma forma de trazer um filho errante para perto dele, para poder estar sobre a supervisão de um pai que o ama.

Outros, digamos assim, poderão entender de outra forma.

O Papa Francisco faz bem em estar de pé atrás em relação a “remédios” legalistas e burocráticos para aquilo que é fundamentalmente uma crise moral e espiritual. Mas dado tudo o que sabemos sobre como se tem lidado com os ilícitos dos padres nas últimas décadas, há razões para questionar se esta abordagem pastoral altamente personalizada e ad hoc do Papa Francisco para com bispos errantes é o modelo mais prudente para a Igreja hoje. O tempo dirá.


Stephen P. White é investigador em Estudos Católicos no Centro de Ética e de Política Pública em Washington.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 11 de Abril de 2019)

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