Wednesday, 2 January 2019

Alguns homens nascem eunucos . . .

Anthony Esolen
Alguns homens nascem eunucos, alguns tornam-se eunucos pelo Reino do Céu e alguns, para grande lucro de cirurgiões e da indústria farmacêutica, são feitos eunucos por pais que os abandonam e por mães que não.

O último “castrato” a cantar profissionalmente, Alessandro Moreschi, morreu em 1922. Não se sabe se ele foi castrado ainda menino para preservar a voz, ou por causa de uma hérnia inguinal. Ainda existe uma gravação, em mau estado, da sua voz. O que se ouve é um soprano algo fibroso, não é o género de coisa para a qual um defensor da prática recomendaria a mutilação. Talvez outrora tenha sido mais forte e seguro. Não sabemos.

À medida que um rapaz se aproxima da puberdade, a sua voz ganha uma qualidade peculiar devido à configuração singular e temporária da sua laringe e cavidade oral. Produz um som que os mestres de coro valorizam muito e que inspirou os talentos de compositores como Palestrina, Allegri e Bach.

Para preservar esse timbre, por vezes um soprano rapaz aceitava ser castrado. Quando os “castrati” eram o último grito da moda nas cortes e nos coliseus da Europa iluminista, um rapaz talentoso de uma família humilde poderia ser tentado a aguentar a mutilação para poder ganhar dinheiro para si e para os seus pais.

Naturalmente isso também o levava a ser bem acolhido nos quartos de mulheres aristocratas, que brincavam com ele como fariam com um cachorro, sem envergonhar os seus maridos. Essa é a lógica por detrás do estratagema de Horner na peça lasciva de Wycherley “A Mulher do Campo”, embora neste caso a castração tenha sido supostamente necessária por causa de sífilis. Os eunucos também eram um alvo preferido por homossexuais.

Contranatura e bárbaro. O Papa Leão XIII condenou a prática quando assumiu o papado em 1878. Graças a Deus não a voltaremos a ver.

Mas estamos a assistir a coisas bem piores. Pensemos um bocado nisto.

Longe de mim desculpar de qualquer maneira os padres nojentos cujos vícios deturparam as vidas de tantos rapazes e jovens e reduziram várias paróquias e dioceses à penúria. Mas quando esses homens acabavam de apalpar as joias da família, estas pelo menos continuavam ligadas ao rapaz, que ainda poderia vir a tornar-se marido e pai de família.

Mas isso já não é o caso quando o rapaz “transita”, isto é, quando se submete a cirurgia para poder fingir ser a rapariga que não é, nem nunca poderá ser.

O rapaz que optava pela mutilação fazia-o para garantir algo que era, em si, um bem. É bom, e não mau, ter uma voz bonita. É bom ser um solista no “Miserere” de Allegri. Não é bom mutilar o corpo para isso. É bom, e não mau, poder ser o ganha-pão da família. Mas não é bom mutilar o corpo para o conseguir. É bom louvar a Deus. Não é bom expressar esse louvor através de algo que é contranatura, como a mutilação.

Esse rapaz, muito provavelmente, sabia bem o que era o sexo. Sabia-o melhor do que as nossas crianças agora. Teria visto os animais da quinta, teria dormido próximo de outras crianças e teria desenvolvido uma atitude prática para com as exigências mais embaraçosas da vida física. Teria estado próximo de homens a fazer trabalho fisicamente árduo, todos os dias da sua vida, trabalho que só os homens podiam fazer.
Alessandro Moreschi

Ele não estava a rejeitar o seu sexo. Não estava acometido da loucura de acreditar que na verdade era uma menina. Ninguém lhe tinha dito na escola que o seu sexo era responsável por todo o mal que existe no mundo. Não teria crescido num lar dividido pelo divórcio, com uma mãe infetada por fantasias feministas de um mundo purificado do masculino. Não teria tido que se sujeitar à hora do conto narrado por travestis. Não teria pornografia à distância de um clique. Não vivia no reino da ilusão. A mutilação assegurava, de facto, o bem em questão.

Não seria sujeito a uma cirurgia após outra. O seu corpo não seria bombeado com drogas perigosas, incluindo bloqueadores de puberdade e hormonas para fazer crescer os seios, que provavelmente virão a ser carcinogénicas. Não seria condenado a uma vida de dependência farmacêutica. Os seus ossos largos continuariam a crescer. O seu corpo seria um pouco mole, mas de resto pareceria um homem normal e não uma aberração. Não seria sujeito a uma operação para fazer uma vagina falsa.

Não faria parte de uma campanha para preservar e prolongar uma ética profundamente anticristã, como é a nossa revolução sexual. Como já disse, talvez fosse tentado pela homossexualidade, mas esse não seria o objectivo declarado da operação. Não estava envolvido na destruição da linguagem. Seria tratado por “ele” e provavelmente atirava-se a quem o tratasse de outra forma.

Não estava a estabelecer um precedente para outros violadores do sentido do humano: falo naqueles que acreditam que devemos fabricar-nos a nós mesmos, através da manipulação genética, úteros artificiais e outras pontes que o homem lança ao robot ou à besta. Não estava a lançar um precedente para pessoas doentes que acreditam que não serão inteiros enquanto não forem parciais: falo naqueles que não conseguem viver com a integridade dos seus corpos e que por isso encontram, nalgum lado, um médico malévolo que lhes remova um braço ou uma perna saudável.

Não estava na linha da frente da sujeição dos pensamentos, da linguagem e dos actos de pessoas normais e ordinárias à supervisão de um estado vasto e totalitário, com a sua simbiose de entretenimento e escolaridade massificados.

Por mais doentio que fosse fazer aquilo que eles faziam, o que fazemos agora é muito pior.


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são:  Reflections on the Christian Life: How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child. 

(Publicado pela primeira vez na quarta-feira, 19 de Dezembro de 2018 em The Catholic Thing)

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