Wednesday, 3 October 2018

Para onde iríamos?

Randall Smith
Há quem diga que vai abandonar a Igreja Católica por causa dos escândalos actuais. Estou confuso. Em quem é que tinham fé? No padre? No bispo? Ou em Deus? Se a sua fé era num padre, bispo, ou até o Papa, então o que professava era idolatria e não a fé cristã.

Estarei a menosprezar a gravidade do escândalo e do mal que tem causado? Não, mas vamos pôr as coisas em perspetiva. Se perguntar, “Tendo em conta todos estes actos terríveis, como é que posso continuar a ter fé na Igreja Católica?”, então ponha-se no lugar da comunidade judaica depois do Holocausto. Eles tiveram de perguntar: “Como é que posso continuar a ter fé em Deus, apesar de todos estes actos horríveis?”

Como é que podemos continuar a dedicar-nos a uma comunidade que é tão infiel a Deus? Moisés fez a mesma pergunta quando viu a infidelidade dos seus correligionários judeus no deserto. Os profetas fizeram a mesma pergunta quando viram as injustiças do povo na Terra Prometida. Os primeiros apóstolos devem ter perguntado a mesma coisa quando viram que um dos seus tinha entregado Jesus aos seus inimigos. E o próprio Pedro, a “rocha” sobre a qual seria edificada a Igreja, negou sequer conhecer o Senhor na sua hora de provação. Isso é difícil de superar.

Acham que era fácil permanecer na Igreja quando os amigos, vizinhos e familiares estavam a ser martirizados, desmembrados por animais ou queimados vivos, por se recusar a negar a fé? E quando tantos dos outros amigos, vizinhos e familiares tinham cedido e negado Cristo, face às ameaças das autoridades romanas? A vida na Igreja raramente foi simples.

O que é que você teria feito quando a heresia ariana dividiu a Igreja ao meio, com o imperador Constantino, supostamente “cristão”, e a maioria do império a alinhar com os arianos? E quando três homens alegavam ser Papa ao mesmo tempo, no Século XIV? Ou quando a revolta protestante dividiu a Cristandade e grande parte da hierarquia da Igreja era corrupta e moribunda? O Concílio de Trento foi um dom do Espírito para a Igreja, mas só começou em 1545 (Martinho Lutero afixou as 95 teses em 1517) e apenas acabou passados quase 20 anos, em 1563.

Imagine ser um católico no meio destes escândalos. O que é que teria feito? Teria sido daqueles que permaneceu e combateu o bom combate na fé? Ou seria um dos muitos que disse: “Esqueça. Estou fora”?

Mas para onde iria? É essa a pergunta que Pedro faz a Cristo. “Senhor, para quem iremos?” Quem mais tem palavras de vida eterna?

Desculpem lá… Escapou-me alguma coisa? Cristo por acaso fundou outra Igreja, só para a malta boa? A Igreja com as liturgias perfeitas? A Igreja em que todo o clero e os leigos têm a doutrina certa e não existe pecado? Porque se sim, eu nunca a vi. Nunca li sobre ela nas Escrituras, nem a vi referida pelos Padres e Doutores da Igreja. Muito pelo contrário, eles falaram repetidamente sobre o elemento humano e pecador da Igreja, a precisar da redenção de Cristo.

Estarão os escândalos a afastar as pessoas da Igreja? Por favor… As pessoas afastam-se da Igreja porque a Igreja faz afirmações desconfortáveis e porque os católicos não são testemunhas vivas da veracidade desses ensinamentos na sociedade. As sondagens mostram repetidamente que os católicos variam pouco em relação à maioria da população no que diz respeito a questões morais fundamentais. Os católicos em São Francisco ameaçaram processar o seu próprio bispo quando ele tentou aplicar os princípios morais mais básicos nas escolas católicas. O Arcebispo Chaput é mantido longe de muitas universidades católicas enquanto o Cardeal Mahoney, supostamente confinado à penitência, da mesma forma que o ex-Cardeal McCarrick, viaja livremente.

E perguntem aos padres e editores de sites católicos “conservadores” as reacções que recebem quando tentam dizer aos leigos que deviam pagar um ordenado justo, e para serem honestos e justos na sua vida profissional, ou exercitar uma opção preferencial pelos pobres? Que tipo de bispos e padres é que se podem esperar quando uma grande parte do laicado se revolta sempre que ouve qualquer coisa a partir do púlpito sobre aborto, contracepção, fornicação e actividade homossexual?

Grande parte dos católicos americanos queria bispos que olhassem para o lado enquanto aqueles violassem abertamente ensinamentos fundamentais da Igreja. Então porque é que se admiram que alguns desses homens ignoravam as regras também nas suas vidas privadas? Queriam fidelidade? Ou queriam uma personalidade vencedora, capaz de angariar dinheiro? Não é por isso que muitas das instituições que hoje condenam McCarrick, ontem enchiam-no de honras de elogios?

O C.S. Lewis queixou-se certa vez da cultura que produz “homens sem peito” e depois espera que sejam virtuosos. “Rimo-nos da honra”, escreve Lewis, “e ficamos chocados ao descobrir traidores no meio de nós. Castramos os cavalos e esperamos que se reproduzam”. Uma Igreja Católica americana que se riu na cara da doutrina social e da moral sexual católica não deve surpreender-se ao encontrar traidores morais e doutrinais no seu seio.

E agora que fazemos? Exigimos a verdade? Claro. Mas como disse o dissidente Checo Vaclav Havel, a verdade exige-se vivendo na verdade. Devemos dizer sobre o ensinamento da Igreja aquilo que Santo Agostinho diz sobre os Evangelhos: “Se acreditas no que queres do Evangelho, e rejeitas o que não gostas, então não é no Evangelho que crês, mas em ti mesmo”.

É católico? Então pare de se preocupar e comporte-se como tal.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no domingo, 30 de Setembro de 2018)

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