Wednesday, 20 June 2018

A Consciência Existe?

David Carlin
Há poucos dias o Supremo Tribunal dos Estados Unidos chegou a uma decisão no caso de um pasteleiro do Colorado que se recusou, por objecção de consciência, a fazer um bolo para o casamento homossexual de dois homens. Infelizmente, o tribunal não decidiu sobre o facto de o pasteleiro, ou qualquer outra pessoa numa posição parecida, ter direito, ao abrigo da Primeira Emenda, de seguir a sua consciência num caso como este.

O tribunal limitou-se a declarar que o tribunal dos direitos civis do Colorado, que tinha decidido punir o pasteleiro, tinha revelado um preconceito antirreligioso indevido ao chegar à sua decisão. Podemos esperar, por isso, que esta questão apareça novamente diante do Tribunal num futuro não muito distante, a saber, se a cláusula de “livre exercício” da Primeira Emenda protege lojistas que se recusem a fornecer bens ou serviços porque estão honestamente convencidos de que seria pecaminoso, ou imoral, fazê-lo.

No mundo anglófono a questão dos direitos de consciência religiosa data de há muitos séculos, remontando talvez aos Lollardos (seguidores do padre revoltoso John Wycliffe) no Século XIV. Foi formulado de forma clara no Século XVII quando, entre outros, Roger Williams e o seu amigo John Milton argumentaram que os indivíduos, desde que em tudo o resto sejam cumpridores da lei, têm direito a obedecer às suas consciências, ainda que essas consciências estejam erradas. Na geração depois da independência essa visão tornar-se-ia quase universal nos recém-fundados Estados Unidos.

Na América existe uma longa tradição de permitir que os fiéis de confissões religiosas pacifistas (como os quakers, por exemplo) obedeçam às suas consciências quando estas lhes pedem que evitem o serviço militar. Durante a guerra do Vietname o estatuto de objector de consciência era frequentemente atribuído mesmo a pessoas que não pertenciam a uma religião pacifista – como por exemplo católicos ou secularistas rigorosos – desde que apresentassem argumentos convincentes de que tinham uma convicção sincera de que seria para elas imoral participar nesta guerra em particular.

De tal forma acreditamos na importância da consciência, ainda que esta esteja errada, que temos estado dispostos a tolerar objectores de consciência, mesmo quando está em causa o destino da nação.

Mas essa atitude de tolerância parece ter mudado. Muitos americanos acreditam hoje que a lei deve obrigar pessoas como o pasteleiro do Colorado a violar as suas consciências. E não é por o destino da nação estar em perigo. Nem é porque de outra forma este casal homossexual teria de passar sem bolo de casamento, uma vez que podiam facilmente ter obtido o que queriam noutra pastelaria ou podiam até ter comprado um bolo não personalizado nesta pastelaria em particular.

Fico pasmado com esta falta de noção sobre a importância da consciência. Estas pessoas não compreendem que o direito a obedecer à consciência é um direito humano fundamental? Talvez o mais fundamental de todos? Estas são geralmente as mesmas pessoas que pensam que o aborto e as relações homossexuais são direitos humanos fundamentais. Mas não pensam que exista um direito fundamental a obedecer sinceramente à consciência? Incrível. Em que mundo estamos a viver?

Mais me espanta que esta gente não compreenda que a consciência é um importante bem social. Todos ficamos mais bem servidos quando os nossos amigos, vizinhos e concidadãos prestam atenção à voz das suas consciências. Claro que existem consciências demasiado rigorosas, e isso não é algo a encorajar, mas o mal social causado por uma consciência demasiado rigorosa não é nada comparado com o mal provocado por consciências demasiado lassas. Uma sociedade desencorajar a liberdade de consciência é uma loucura. Mas há dezenas de milhões de americanos dispostos a fazer precisamente isso para tornar o mundo mais seguro para bolos personalizados para casamentos homossexuais.

Jack Phillips, detentor de consciência
Porque é que alguém chegaria ao ponto de desvalorizar a consciência?

Vejamos, o que é a consciência? No sentido tradicional do termo (uma tradição que remonta alguns séculos na língua inglesa) é vista como uma faculdade de conhecimento moral. Não conseguimos conhecer o bem e o mal da mesma maneira que conhecemos coisas do mundo material, isto é, através dos nossos sentidos (vista, audição, toque, etc.). Mas não se preocupem, para além destas faculdades sensoriais, temos a faculdade de conhecimento moral. Normalmente chamamos a isto consciência (embora também tenha sido conhecido como sentido moral).

Muitos secularistas humanistas (ou pós-cristãos, como também podem ser chamados), não acreditam que exista um sentido não-sensorial que nos forneça conhecimento moral. Todo o conhecimento, alegam, vem dos sentidos. As convicções que não vêm dos sentidos não são, por isso, conhecimento, mas sim sentimentos, preconceitos ou caprichos. Quando as pessoas dizem, “a minha consciência dita que devo fazer isto, ou aquilo”, o que estão mesmo a dizer – deste ponto de vista – é “os meus sentimentos, preconceitos ou caprichos ditam que devo fazer isto, ou aquilo”.

Mas se a consciência não passa disto, então não há grandes razões para que seja reverenciada. Se é possível alcançar algum bem social obrigando as pessoas a ignorar as suas consciências, então que se obrigue.

A maior parte dos que acreditam apaixonadamente no casamento entre pessoas do mesmo sexo serão provavelmente humanistas seculares ou pós-cristãos, que por sua vez tenderão a acreditar que não existe nada que se pareça com uma faculdade especial de conhecimento moral, isto é, qualquer consciência que mereça respeito e protecção legal. Quem é que pode ficar surpreendido, então, com o facto de os grandes defensores do casamento homossexual não se sentirem incomodados com a ideia de impor castigos legais a pasteleiros que, por razões de consciência, recusem fazer bolos para estes casamentos?

Trata-se de um ponto de vista comum, mas é um ponto de vista comum que ameaça directamente o núcleo moral de cada um de nós.


David Carlin é professor de Sociologia e de Filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America

(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 15 de Junho de 2018 em The Catholic Thing)

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