Wednesday, 30 May 2018

Aprender com as Lições do Chile

Pe. Gerald E. Murray
A notícia surpreendente de que todos os bispos do Chile tinham apresentado a sua resignação ao Papa Francisco é um desenvolvimento impressionante. Quando o Papa Francisco visitou o Chile e o Peru, em Janeiro, eu estava a comentar em directo para a televisão da Diocese de Brooklyn e discutimos longamente a forte repreensão do Papa às pessoas que acusavam o bispo Juan Barros de ter permitido o abuso sexual de menores por parte do seu amigo e mentor, o padre Fernando Karadima.

Cinco meses mais tarde, depois de uma reunião de três dias em Roma com o Papa Francisco, a Conferência Episcopal do Chile concluiu, por inteiro, que a sua partida colectiva seria do agrado do Papa e lhe daria maior liberdade para restaurar a confiança dos católicos chilenos, nomeando novos bispos em todo o país. Como é que a coisa chegou a este ponto?

Na conferência de imprensa em que anunciou a resignação em massa, o bispo Fernando Reyes, secretário-geral da Conferência Episcopal Chilena, disse:

Neste contexto de diálogo e discernimento, foram apresentadas várias sugestões sobre como lidar com esta grande crise e desenvolveu-se a ideia de que para estar mais em linha com a vontade do Santo Padre seria apropriado declarar a nossa disponibilidade absoluta para colocar as nossas responsabilidades pastorais nas mãos do Papa. Desta forma pudemos ter um gesto colegial de solidariedade e assumir a responsabilidade – não sem pesar – pelos actos graves que ocorreram, para que o Santo Padre possa decidir livremente como quer proceder em relação a nós.

Ao que parece, os bispos chilenos pensam que o Papa queria as suas resignações. Em Janeiro este desenvolvimento seria impensável. O que é que se passou? A explosão da fúria das vítimas de abusos sexuais e dos católicos comuns, combinada com uma cobertura persistente do conflito por parte dos media.

O Papa tomou a peito as reacções fortes aos seus comentários. Mandou dois investigadores externos para o Chile para recolher provas e dar-lhe conta do que descobriam. Depois chamou a hierarquia chilena a Roma.

Apresentou aos bispos as provas recolhidas pelos seus investigadores numa carta (mais tarde mostrada à imprensa) dada aos bispos chilenos quando chegaram a Roma. Os claros erros citados pelo Papa batem certo com experiências semelhantes noutros países: destruição de provas; transferência de padres acusados, sem preocupação pelos menores que passariam a estar sob a sua influência, tácticas de adiamento e investigações superficiais ou inexistentes das queixas recebidas, bem como pressão sobre os que desenvolveram as investigações aos alegados crimes; e a colocação por parte de bispos e de superiores religiosos de padres suspeitos de serem homossexuais activos em seminários e noviciados.

Não admira que os investigadores tenham encontrado este padrão, já tão familiar, no Chile. Os relatos a Roma por parte da hierarquia chilena, nesta matéria, incorriam em deficiências graves ou eram mesmo enganosas.

A lição aqui é clara: Se a Santa Sé quer extirpar o abuso sexual de menores por parte de membros do clero, e pôr fim aos encobrimentos por parte de clero e bispos em lugares de topo, então deve usar os mesmos meios que usou aqui noutros lugares. Investigadores nomeados pelo Vaticano, sem ligações à igreja local, devem ser enviados para recolher dados quando surgem queixas de abusos sexuais e encobrimentos.

O sistema actual de deixar a vigilância e os relatos à hierarquia local provou ser completamente desadequado no caso chileno. A eficiência das provisões canónicas que governam as situações de acusação de abuso sexual de menores por parte de padres assenta numa colaboração plena e vigorosa da hierarquia local. Se isso não acontecer, a justiça não pode ser feita. Mas essa colaboração muitas vezes não existe.

A triste realidade é que a exposição do crime de abuso sexual de menores e as tentativas em larga escala de bispos e de superiores de ordens religiosas para esconder os factos do público não resultou de acções iniciadas pela Igreja, mas sim pela polícia, tribunais e os media em vários países.

No caso do Chile as vítimas de abusos sexuais só receberam uma audição justa em Roma depois de insistirem na verdade das suas afirmações, após rejeição episcopal e papal. O Papa Francisco decidiu olhar novamente para o assunto e o que descobriu foi que não lhe tinha sido contada a história completa.

Também devia aproveitar para rever os registos de vários departamentos da cúria romana que estiveram envolvidos na supervisão da situação do Chile ao longo dos últimos 30 anos. A Congregação para a Doutrina da Fé considerou o padre Karadima culpado de abuso de menores em 2011. Foi proibido de exercer o ministério sacerdotal e ordenado a viver uma vida de oração e penitência. Consta que ainda reclama a inocência. O que foi feito foi suficiente?

Ao não removê-lo do sacerdócio e reduzi-lo ao estado laical, a gravidade dos seus crimes não foi suficientemente reconhecida. Tal como no caso do padre Marcial Maciel, que também não foi despido do sacerdócio, não obstante os seus múltiplos e graves crimes, uma vida de oração e de penitência torna-se o equivalente funcional de uma reforma antecipada e não retira ao predador sexual o estado de vida que lhe permitiu ter tão fácil acesso às suas vítimas.

A remoção do sacerdócio é uma reprimenda inconfundível pela grave ofensa que deu a Cristo e aos seus mais pequeninos, e comunica de forma clara para todo o mundo que a Igreja considera que ele perdeu o direito a exercer o ofício do sacerdócio de que tanto abusou.

A acção tomada por Roma na situação do Chile era necessária e purgativa. A missão da Igreja é promover o Evangelho. Isso inclui fazer tudo o que for possível para proteger os inocentes e punir os culpados. Não se trata de vingança, mas de justiça.

Agora chegou a altura de lançar o mesmo olhar para outros países onde permanecem questões semelhantes sobre a forma como se lidou com acusações de abusos sexuais e encobrimentos.


O padre Gerald E. Murray, J.C.D. é pastor da Holy Family Church, em Nova Iorque, e especializado em direito canónico.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Quinta-feira, 24 de Maio de 2018)

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