Wednesday, 19 April 2017

O Esposo

Pe. Paul Scalia
Jesus saiu com os seus discípulos e atravessou o vale de Cédron, até ao ponto onde havia um jardim (Jo. 18,1). Cristo, o Novo Adão, vai até um jardim para desfazer aquilo que num jardim foi feito. O primeiro Adão vivia num jardim e recebeu uma mulher. Foi lá que se revoltou contra o Pai e falhou em relação à sua mulher. Agora, o Novo Adão vai para um jardim para obedecer ao seu Pai e oferecer-se à sua Esposa. Toda a narrativa da Paixão – desde a agonia de Cristo no horto até às suas palavras finais na Cruz – é nupcial. Nela compreendemos que “Cristo amou a Igreja e se entregou por ela” (Ef. 5,25).

As núpcias de um noivo e de uma noiva requerem votos – palavras através das quais doam a vida um ao outro, para o bem de um e de outro. Por isso o casamento de nosso Senhor começa com palavras de doação – para todos os efeitos, com um voto. Mas neste caso as palavras são dirigidas ao Seu Pai, para o benefício da Esposa: “Abbá, Pai, tudo te é possível; afasta de mim este cálice! Mas não se faça o que Eu quero, e sim o que Tu queres” (Mc. 14,36). Deste modo oferece-se eternamente à sua esposa. É neste momento que se submete definitivamente à vontade do Pai. O primeiro Adão falhou a sua mulher através da desobediência. O Novo Adão conquista a sua esposa obedecendo: Seja feita a vossa vontade.

Jesus tinha antecipado este momento na Última Ceia: “Este é o meu corpo, que será entregue por vós” (Lc. 22,19). O dom de si próprio no casamento não é uma questão apenas de palavras, mas de corpo. O corpo é parte daquilo que somos e, por isso, é essencial no dom de si mesmo. O casamento não tem a ver apenas com bonitos pensamentos e palavras, mas com o dom de corpos, um ao outro; na geração de nova vida através desses corpos; no cuidar do corpo do outro quando o fim se aproxima. Agora, no horto, Jesus oferece definitivamente o seu corpo. O voto tem um efeito corporal. “Cheio de angústia, pôs-se a orar mais instantemente, e o suor tornou-se-lhe como grossas gotas de sangue, que caíam na terra” (Lc. 22,44).

Todos os casamentos têm as suas dificuldades. O primeiro Adão foi testado pelo malévolo, que o desviou da confiança no Pai e, por isso, do amor pela sua mulher. O Novo Adão também é posto à prova – através de Judas, em quem o demónio entrara: “Apareceu Judas, um dos Doze, e com ele muita gente, com espadas e varapaus” (Mt. 26,47). O demónio, cujas anteriores tentações tinham sido mal sucedidas, encontra aqui o seu “tempo oportuno”. Ao infligir dor, humilhação ridicularização e morte, procura separar Jesus da vontade do Pai e da sua Esposa. Mas será novamente derrotado através da simples confiança e obediência: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc. 24,46).

Todos os casamentos exigem sacrifício – a vivência dos votos na vida real. As palavras pronunciadas no altar, no dia do casamento, são vividas diariamente através de actos de amor sacrificial, pequenos e grandes. Por isso, a Paixão de nosso Senhor, não é mais do que o vivenciar do seu voto no jardim. Os espancamentos, interrogações, ridicularizações… a flagelação e a coroação de espinhos… o carregar da Cruz e a crucificação. Que são estas coisas se não o viver dos votos? Estão todas implícitas no dom de si mesmo. Assim, no cume do seu sacrifício ele grita que o voto está completo, cumprido, vivido ao máximo. O termo usado é perfeitamente nupcial: “Consummatum est – Está consumado” (Jo. 19,30).

O sacrifício de Cristo, que hoje recordamos [este artigo foi publicado originalmente na Sexta-feira Santa] é a cura de todos os nossos pecados e ilumina toda a nossa escuridão. Dada a confusão que actualmente reina sobre o casamento, porém, devemos compreender o sacrifício como sendo particularmente de Jesus, esposo da Igreja, quem restaura o sentido original do casamento e, através da sua graça, permite aos casais viverem-no (Catecismo da Igreja Católica #1614).

Dito de forma mais simples, a morte do Senhor revela como o casamento deve ser vivido. O seu voto e sacrifício são o padrão para a vida de casado. Os votos que a noiva e o noivo fazem no dia do casamento formam o compromisso de darem as suas vidas – tal como nosso Senhor se comprometeu a dar a sua. As suas vidas de casados devem ser a vivência desse dom – tal como o sacrifício do Senhor foi a vivência do seu voto. Que são todos os pequenos sacrifícios e dificuldades se não o viver dos votos? Os casamentos prosperam e trazem felicidade unicamente na medida em que têm a Cruz do Senhor por modelo.

O dom do seu corpo – na sala da Última Ceia, no horto e na Cruz – recordam-nos aquilo que a nossa cultura preferiria esquecer: A verdade do corpo humano. A contracepção e a esterilização deram início à rejeição do sentido do corpo. Agora, vemos os frutos maduros na “ideologia do género”, que afirma que o meu corpo não sou eu e não tem qualquer significado. Que a nossa adoração do seu corpo crucificado ajude a curar esta maleita.

Na sua Paixão o Senhor mostra ainda a forma simples de ultrapassar as dificuldades do casamento: Obediência à vontade do Pai. Essa simples virtude não lhe permite evitar os desafios, mas triunfar neles. Talvez tenhamos o hábito de complicar demasiado as coisas. Uma obediência confiante na verdade do casamento – permanente, fiel, geradora de vida – permite a um casal não só ir ultrapassando as dificuldades, mas triunfar nelas. É um caminho simples – mas não fácil – que demasiadas pessoas ignoram.

Isto não é apenas para casais casados, mas para todos os fiéis: “Toda a vida cristã é marcada pelo amor esponsal de Cristo e da Igreja” (CCC 1617). Todos os fiéis beneficiam de casamentos bem vividos – casamentos que obtêm um aumento de graças para a Igreja e que apontam para além deste mundo, para as núpcias do Cordeiro. Nisto, como em tudo, Cristo o Noivo revela a Cruz como spes unica – a nossa única esperança.


O Pe. Paul Scalia (filho do falecido juiz Antonin Scalia, do Supremo Tribunal americano) é sacerdote na diocese de Arlington e é o delegado do bispo para o clero.

(Publicado pela primeira vez na sexta-feira, 14 de Abril de 2017 em The Catholic Thing)

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