Wednesday, 24 August 2016

Porque nos Voltámos Para Oriente

Pe. Gerald E. Murray
Desde Julho que os padres da igreja de Holy Family, na cidade de Nova Iorque, onde sou pároco, voltaram à prática de celebrar a Santa Missa virados para o Oriente litúrgico, ad orientem. Decidi que o faríamos depois de ter lido uma entrevista dada pelo Cardeal Robert Sarah à revista francesa Famille Chrétienne, em Maio. Mais tarde voltaria a falar do assunto numa conferência em Londres, em Julho, recomendando reavivar a celebração da missa ad orientem.

Na entrevista de Maio ele aborda a questão da legalidade canónica desta prática: “É legítima e adequada à letra e ao espírito do Concílio. Na minha capacidade de prefeito para a Congregação para o Culto Divino e para a Disciplina dos Sacramentos, continuo a recordar a todos que a celebração voltada para Oriente (versus orientem) é autorizada pelas rúbricas do missal, que especificam os momentos em que o celebrante se deve voltar para as pessoas. Não é necessária, por isso, autorização particular para celebrar a missa voltado para o Senhor”.

Estas palavras do Cardeal Sarah mexeram comigo. Ele relaciona o voltar para o Oriente litúrgico com o movimento mais profundo das nossas almas que se voltam para Deus. O nosso culto deve ser uma experiência que nos faz sair de nós mesmos em direcção a Cristo. “A conversão é um voltar-se para Deus. Estou profundamente convencido que os nossos corpos devem participar nesta conversão. A melhor forma é certamente celebrar – padre e fiéis – voltados juntos para a mesma direcção: Para o Senhor que vem. Não se trata, como por vezes ouvimos, de celebrar de costas para as pessoas ou voltado para elas. O problema não é esse. Trata-se de estarem voltados em conjunto para a abside, que simboliza o Oriente, onde está entronizada a cruz do Senhor ressuscitado.”

Os fiéis não são um público que precisa de ser conquistado ou entretido por um espectáculo interessante por parte do padre que preside, que precisa de se manter na frente e no centro e não deixar que os paroquianos lhe saiam do campo de visão. Não, a natureza do culto divino exige que não deixemos nada interferir na união de Deus com o seu povo. Ao voltar-se para o Senhor com os fiéis, o padre assume o papel de guia na peregrinação para o Senhor, para o Céu. Não se põe a tentação de agir como actor principal num espectáculo para um público cativo.

O tempo para estar voltado para os fiéis e dirigir-se a eles durante a missa é sobretudo a Liturgia da Palavra. A Palavra de Deus é proclamada e o pregador utiliza os seus talentos e os frutos dos seus estudos numa exortação que tem as suas raízes no Evangelho, nas outras leituras e nos ensinamentos da Igreja. Mas depois de começar o ofertório, o sacerdote dirige-se em primeiro lugar a Deus e os fiéis unem-se a ele nas suas orações enquanto seu sacerdote e advogado dos pecadores.

Ainda segundo o Cardeal Sarah: “Celebrando desta forma, experimentamos, nos nossos próprios corpos, a primazia de Deus e da adoração. Compreendemos que a liturgia é a nossa primeira participação no sacrifício perfeito da Cruz. Eu próprio já tive esta experiência. Ao celebrar desta forma, com o padre à cabeça, a assembleia vê-se arrebatada de forma quase física pelo mistério da cruz no momento da elevação”.

O Papa Francisco a celebrar ad orientem
Também eu partilho desta experiência. Agora, quando elevo a Hóstia consagrada, e depois o cálice que contém o Sangue de Cristo, sei que os meus paroquianos estão a olhar para o sacramento de Cristo, e não para mim. A ausência de contacto visual entre o padre e os fiéis neste momento central do culto é uma das melhores formas de comunicar a presença de Deus na Santa Eucaristia.

Quando vimos para a Missa, sejamos padres ou paroquianos, procuramos todos, juntos, a presença de Deus. Na celebração ad orientem, quando Cristo desce sobre o altar na altura da consagração, estamos todos concentrados nele. A sua presença domina a nossa atenção. É como se o padre desaparecesse da cena, continuando depois as orações da Missa, antes de se voltar para os fiéis para oferecer a paz do Senhor e, depois, para mostrar o Senhor Eucarístico aos seus fiéis, antecipando o momento em que o Senhor dará de comer ao seu rebanho com o dom de si próprio, pelas mãos do seu sacerdote.

A maioria dos nossos paroquianos na Holy Family habituaram-se já, serenamente, a estas mudanças. Houve algumas queixas, mas houve mais expressões de agradecimento e de encorajamento. Alguns não entenderam ainda que ter o padre voltado para o Senhor e não para os fiéis não tira nada a estes, mas antes os ajuda a focar-se em Cristo.

Os benefícios para o padre que preside incluem lembrar-se de que, no cânone da missa, ele está a falar a Deus em nome de todos, especialmente em nome daqueles que conduz naquele momento. O padre que preside é o seu pai espiritual e está a suplicar a Deus em seu nome enquanto renova o sacrifício perfeito do Calvário.

Outro benefício para o padre é que ele pode estar mais focado naquilo que está a fazer e distrair-se menos pelos movimentos inevitáveis na Igreja – pessoas a entrar e a sair, crianças e até adultos a andar de um lado para o outro, portas a abrir-se e a fechar-se, etc.

Estou agradecido ao Cardeal Sarah por encorajar pelo reavivar desta antiga prática litúrgica da Igreja. Ele recorda-nos de algo que já sabemos, mas de que facilmente nos esquecemos quando o nosso culto se torna demasiado autoreferencial e menos cristocêntrico: “Para nós, a luz é Jesus Cristo. Quando está voltada para Oriente, toda a Igreja está orientada para Cristo: ad Dominum. Uma Igreja fechada sobre si mesma, num círculo, perderá a sua razão de ser. Para ser ela mesma, a Igreja deve viver voltada para Deus. O nosso ponto de referência é o Senhor! Sabemos que Ele esteve connosco e que regressou ao Pai do Monte das Oliveiras, a leste de Jerusalém, e que voltará da mesma forma. Estar voltado para o Senhor significa esperar por ele todos os dias. Não devemos dar a Deus razões para se queixar constantemente de nós: ‘porque me viraram as costas, e não o rosto’ (Jeremias 2:27)”. 


O padre Gerald E. Murray, J.C.D. é pastor da Holy Family Church, em Nova Iorque, e especializado em direito canónico.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Domingo, 21 de Agosto de 2016)

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