Wednesday, 20 April 2016

A Revolução do Absurdo

David Carlin
Eu já fui politicamente liberal. Acreditem ou não, era orgulhosamente liberal – nos tempos em que o liberalismo ortodoxo acreditava em coisas como Segurança Social, sindicatos, igualdade racial, liberdade de expressão, anticomunismo e uma forte defesa nacional. Estou a falar do liberalismo de Franklin Delano Roosevelt, Harry Truman e John F. Kennedy.

Mas depois a ortodoxia liberal começou a mudar. Radicalmente. Começou por incluir o direito ao aborto. Isso não foi o suficiente para me fazer desistir do liberalismo. Em vez disso dizia que era liberal excepto no que diz respeito ao aborto. Mas o liberalismo continuou a mudar, acrescentando artigos ao seu credo. Por isso passei a dizer que era liberal – excepto no que diz respeito a todas essas coisas.

Até que um dia ocorreu-me que a minha versão do credo liberal estava tão cheio de buracos que eu era um liberal do estilo queijo suíço. Por isso decidi que afinal já não era um liberal e devia ser um conservador político e cultural.

Muitos de vocês devem estar a pensar que eu devia ter desistido do meu liberalismo mal este adoptou o aborto como artigo de fé. Concordo – hoje. Mas como muitas pessoas que começaram na minha posição (incluindo muitos católicos), eu não estava suficientemente atento ao que se passava para ter percebido, de início, o quão importante isto é. O aborto é tão claramente errado que as pessoas que acreditam na sua justiça só podem ter um defeito nas suas faculdades de juízo. Se pudessem estar errados quanto ao aborto, então era natural que estivessem errados sobre muitas outras coisas.

Dizer que eu era liberal excepto em relação ao aborto era mais ou menos como um alemão nos anos 30 dizer que era Nazi excepto no que diz respeito ao anti-semitismo. O anti-semitismo era a essência do nazismo, e se os nazis estavam equivocados sobre uma coisa tão obviamente errada como o anti-semitismo, então era natural que tivessem um defeito nas suas faculdades de juízo e que se viessem a enganar sobre muitas outras coisas. E assim foi.

Hoje, para se ser liberal, é preciso acreditar numa série de coisas absurdas. Por exemplo:

  • Que os nascituros não são bebés, que não são seres humanos;
  • Que relações sexuais entre dois homens ou duas mulheres são uma coisa perfeitamente natural;
  • E, por isso, que apenas mentes pequenas e discriminatórias se oporiam ao casamento homossexual.

Recentemente foram acrescentados a este credo liberal dois artigos:

  • Que se um homem pensa que é uma mulher então é mesmo, e que se uma mulher sente que é um homem, então é mesmo.
  • Que é discriminatório pensar que as casas de banho para homens deviam ser reservadas para homens e as de mulheres para mulheres.

Alguns liberais não são tão progressistas como outros. Eles ainda não abraçaram estes últimos dois artigos. Mas, como os extraterrestres dizem nos filmes de ficção científica: rendam-se, é inútil resistir. Têm de se render, e fá-lo-ão em breve. Até Novembro deste ano o candidato democrata à presidência (seja Bernie Sanders, seja Hillary Clinton) terá, para não perder o voto liberal, de defender o uso misto de casas de banho como um direito humano fundamental, ao nível do direito à vida, à liberdade e à busca da felicidade. 

Não se trata de uma mera suposição, o destino assim o dita.

Portanto, para se ser um liberal ortodoxo hoje é preciso acreditar numa lista cada vez maior de coisas que não são apenas erradas, são completamente absurdas. Não me espanta que daqui a 10 ou 20 anos seja necessário acreditar que se alguém se identifica como um coelhinho então é mesmo um coelhinho.

Chegará o dia em que um liberal será obrigado a respeitar a opinião de pessoas que dizem que 7 + 5 não é igual a 12? Talvez. Afinal de contas, se se defende que Bruce Jenner é uma mulher, porque não defender que a matemática não passa de uma opinião pessoal e subjectiva? Ou que a minha crença de que a minha resposta é a correcta é o produto de matemática imperialista ocidental, ou uma mera construção social.

Ao longo dos últimos 50 anos testemunhámos aquilo a que apelidámos de revolução sexual. Mas eu suspeito que seja mais do que isso. A questão sexual foi apenas a brecha. Os filósofos, moralistas e papas falam sobre relativismo – até sobre a ditadura do relativismo – e coisas como narcisismo, niilismo, autonomia radical, a era da vontade pura e outras noções intelectuais. Mas é ainda mais radical do que isso.

Esta é uma revolução do absurdo; uma revolução contra a razão; uma revolução contra a civilização. Contra a própria realidade.


David Carlin é professor de sociologia e de filosofia na Community College of Rhode Island e autor de The Decline and Fall of the Catholic Church in America

(Publicado pela primeira vez no sábado, 9 de Abril de 2016 em The Catholic Thing)

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