Howard Kainz |
O cuidado pelas viúvas e pelos órfãos é um tema constante
tanto no Antigo como no Novo Testamento. Há exortações e provisões sobre como
devem ser tratados no livro de Deutoronómio e do Êxodo. O livro de Job, dos
Psalmos e, em particular, dos profetas, aponta continuamente para o mau trato
das viúvas e dos órfãos como um mal que será vingado por Deus.
No Novo Testamento Jesus critica os fariseus pelas suas
injustiças para com as viúvas (Mt. 23,14). São Tiago sublinha o cuidado pelas
viúvas e pelos órfãos como uma das grandes “obras” que deve caracterizar a fé
dos cristãos (Ti. 1,27). Os convertidos gregos queixaram-se aos apóstolos de
que as suas viúvas não estavam a ser tratadas da mesma forma que as hebraicas
(Actos 6,1) e São Paulo aponta vários factores que devem orientar o tratamento
das viúvas na congregação de Timóteo (1Tim. 5,3).
Nos primeiros anos do Cristianismo a esperança média de
vida era cerca de 35 anos, sobretudo devido aos níveis extremamente altos de
mortalidade infantil. Se ajustarmos a estatística tendo isso em conta, a
esperança de vida aos 10 anos era cerca de 45 ou 47 anos. As mulheres, claro
está, sempre viveram mais tempo que os homens, em média. Logo, as viúvas,
incluindo viúvas com filhos, eram mais do que os viúvos. E para as comunidades
cristãs iniciais a justiça social para com as necessidades de viúvas e seus
filhos era um desafio constante.
Nos tempos modernos, apesar da maior esperança de vida, e
das redes sociais que existem nos países industrializados, o problema de
assistência a viúvas e suas famílias mantém-se. Mas talvez um problema ainda
maior seja, agora, tanto para a Igreja como para os governos (no seguimento da
revolução sexual e da era do divórcio fácil), o número enorme de divorciados
que se tornam encarregados pobres de famílias monoparentais. As domésticas, que
dependiam dos maridos para o sustento financeiro, são particularmente afectadas
quando os seus maridos as abandonam. E depois há as trabalhadoras cujo
rendimento após o divórcio é insuficiente para sustentar uma casa, filhos e
tudo o resto.
Hoje a Igreja está a debater se as mulheres católicas,
que se encontravam nestas situações e voltaram a casar, podem receber a
comunhão. Às vezes estes casos envolvem divorciadas que foram abandonadas por
maridos que decidiram que são homossexuais, ou que abusam fisicamente das
mulheres e dos filhos, ou que simplesmente decidiram que querem ser livres dos
filhos, ou para poder recasar. Certamente estas mulheres estão numa posição
vulnerável para recasar, não apenas por amor e para ter companhia, mas também
pelo motivo adicional de sobreviver e poderem criar as suas famílias, sobretudo
onde não existe qualquer tipo de assistência estatal.
Em certo sentido, as mulheres recém-divorciadas são para
nós o que eram as viúvas para os primeiros cristãos. Algumas paróquias têm
organizações para pais solteiros, para ajudar a enfrentar o problema. Mas se a
Igreja se vai manter fiel à indissolubilidade do casamento sacramental para
pessoas que foram abandonadas pelos esposos, existe alguma medida efectiva para
ajudar essas mães solteiras a manter a sua dignidade, manterem-se celibatárias
e ao mesmo tempo sustentar os seus filhos e a sua educação?
Jesus cura o filho de uma viúva |
Na minha própria família já vi casos em que mulheres
divorciadas, com três filhos ou mais, acabaram por ter de ir viver para casa de
parentes durante anos, depois de terem falhado todas as tentativas de independência
económica. Mas estas combinações por vezes não existem e esta é uma causa que
sem dúvida merece uma assistência organizada por parte da Igreja. Para muitas
destas mulheres, não basta dizer “fiquem bem e sustentem as vossas famílias –
mas se tiveram um casamento sacramental, lembrem-se que é indissolúvel”.
Existem também as versões modernas dos “órfãos” dos cristãos primitivos.
Provavelmente os exemplos mais visíveis são as crianças vítimas de divórcio,
indesejados, sujeitos a negligência ou crueldade, por vezes fugitivos, passados
de uma família de acolhimento para outra.
Hoje os orfanatos estão fora de moda, provavelmente devido
aos efeitos de histórias como o “Oliver Twist”. E há casos reais verídicos,
como as revelações recentes de escândalos nos orfanatos geridos pelos Irmãos
Cristãos e as Irmãs da Misericórdia, na Irlanda, ou casos de abusos sexuais
praticados contra órfãos, como no orfanato de St. Joseph, em Burlington,
Vermont. Se for ao orphanage.org, verá
que ainda há alguns orfanatos de católicos, protestantes ou privados. Mas muitos
deles mudaram a designação ou então especializaram-se só em encontrar famílias
adoptivas ou em tratamento para crianças com deficiência. Noutros casos os
sites que aparecem quando se pesquisa por orfanatos são apenas para ex-alunos
de orfanatos que entretanto deixaram de existir.
Antes de o aborto se ter tornado a solução fácil para
crianças indesejadas, uma familiar minha colocou todos os seus filhos num
orfanato católico gerido por freiras, na Califórnia. Mas agora, tal como com as
escolas católicas, praticamente não existem freiras suficientes para dar
seguimento a um ministério tão exigente.
Existem muitas organizações pró-vida que merecem o nosso
apoio, mas quase nenhuma se dedica à adopção – o que parece ser a resposta
positiva mais evidente para quem está a pensar abortar. Poucas organizações
especializam-se em ajudar mulheres durante as suas gravidezes e também em
ajudá-las a encontrar pais adoptivos bons e competentes.
Há muitos casais que querem adoptar crianças – um processo
que envolve longos processos, custos consideráveis e burocracia. O Papa
Francisco acabou de simplificar os processos de nulidade. Tornar a adopção mais
fácil é não menos importante e pode ajudar a reduzir as nossas estatísticas de
aborto assustadoras. Talvez alguns dos manifestantes à porta das clínicas de
aborto deviam levar sinais a dizer que ajudam a completar um processo de
adopção.
Claro que ainda existem muitas viúvas e órfãos no sentido
tradicional, mas as mudanças na moral dos nossos dias e a existência de
divórcios fáceis criaram problemas que são em tudo parecidos.
Howard Kainz é professor emérito de Filosofia na
Universidade de Marquette University. Os seus livros mais recentes incluem Natural Law: an Introduction and Reexamination (2004), The Philosophy
of Human Nature (2008),
e The Existence of God and the Faith-Instinct (2010)
(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing no Sábado, 26 de Setembro de 2015)
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