Wednesday, 11 March 2015

Nasceu Assim

Anthony Esolen
Em 1892 uma amante do teatro chamada Mabelle Webb mudou-se para Nova Iorque com o seu filho de três anos. Abandonou o pai da criança, um mero vendedor de bilhetes de combóio, afirmando que “ele não gostava do teatro” e impediu-o de desempenhar qualquer papel na vida do filho, recusando até o seu apelido. Introduziu logo o rapaz no mundo das artes de palco, treinando-o nos ramos de música e dança. O jovem abandonou a escola aos 13 anos e entrou para o teatro, acabando por se tornar uma figura popular de Hollywood, desempenhando personagens parecidas consigo: sofisticados, condescendentes, mimados. Foi sempre o “pequeno Webb” da sua mãe. Ela era conhecida por ter um papel excessivo na sua vida e viveu com ele até morrer aos 91 anos. Eram sufocantemente próximos. Quando ela morreu, na sua tristeza ele deixou a sua saúde deteriorar-se. Nunca casou, mas levou uma vida homossexual discreta, com o conhecimento da sua mãe.

Clifton Webb nasceu assim.


Em 1934 um rapaz de 13 anos, excepcionalmente bonito, estava num cinema londrino a ver filmes de terror. O seu lar feliz tinha sido destroçado quando era mais novo, por causa de um arranjo profissional que obrigava o pai a ficar na cidade enquanto ele era educado pela irmã, a ama e, mais tarde, uma tia. Era vulnerável e isso não passou despercebido a um jovem estudante de medicina. Depois de terem visto um filme sobre múmias, o estudante convidou-o a voltar com ele para o seu apartamento, para lhe dar uma experiência de mumificação, se estivesse interessado.

O rapaz concordou. Mais tarde, na sua biografia, escreveria que nessa altura não “sabia nada” da vida. O estudante deu-lhe uma bebida com droga, despiu-o totalmente e embrulhou-o com ligaduras, dos dedos dos pés até à cara, deixando apenas os seus órgãos genitais descobertos. Depois pegou numa faca fria e encostou-a aos seus órgãos genitais, sussurrando que poderia matá-lo ou mutilá-lo, se quisesse, mas claro que não o faria, porque não era isso que queria. O coração do rapaz acelerou, aterrorizado. Pensava que ia morrer. O estudante abusou dele, libertou-o, deixou-o vestir-se e ir-se embora. “Ao menos agora já sabia”, escreveria, trinta anos mais tarde. Nunca chegou a casar. Entrou para o mundo dos espectáculos e tentou ter casos com uma ou duas mulheres, mas não duraram. Eventualmente passou a viver com outro homem.

Dirk Bogarde nasceu assim.


Em 1949 um juiz no Bronx apresentou um menino de 10 anos com uma escolha. Podia ir viver para um centro de detenção de menores, ou ser enviado para longe da família, para uma escola de actores. Escolheu a escola de actores. Em termos práticos, parece ter sido a melhor opção. Os seus pais, imigrantes sicilianos, já não tinham mão nele. Tinha sido expulso do colégio católico onde andava e juntara-se a um gangue de rua, vindo a ser condenado por assalto à mão armada. Mais tarde viria a ser conhecido como “Switchblade Kid” [Navalhas]. Uma das relações que teve com uma actriz acabou numa gravidez abortada. Durante vários anos, com a sua voz de veludo, pele morena e olhos grandes, era o quebra-corações em Hollywood. Também teve casos com homens e produziu e representou numa peça de teatro em que constava uma violação prisional em que ele fazia de violador. Nunca teve uma vida familiar normal.

Sal Mineo nasceu assim.


Sal Mineo, "The Switchblade Kid", nasceu assim
Em 1933 um rapaz de 13 anos que tinha conseguido um papel num espectáculo em Broadway decidiu permanecer em Nova Iorque, longe da sua família. O seu pai era um alcoólico abusivo e violento e a mãe gastava grande parte das finanças em viagens para descobrir a sua linhagem aristocrática. Mais tarde diria que não se lembrava de nada da sua infância, para além de não ter estado no mesmo sítio por muito tempo. Tornou-se um grande actor, com mais de 20 papéis principais em alguns dos melhores filmes feitos nos Estados Unidos. O pai que tanto odiava contribuiu para o seu sucesso, uma vez que sempre que precisava de uma imagem mental de teimosia e ignorância, contra os quais revoltar-se com uma fúria incontrolável, pensava nele. Era uma alma caridosa que procurou no realizador John Huston o pai que nunca tivera, de facto. Também esteve envolvido com outros homens e acabou por morrer prematuramente devido ao uso excessivo de álcool e drogas.

Montgomery Clift nasceu assim.


Era inevitável, quando nasceu Rock Hudson, que os seus pais se iriam divorciar quando ele ainda era novo, e que seria criado numa quinta por avós de quem não gostava. Era inevitável, quando Tab Hunter nasceu, que a sua mãe divorciaria o pai que abusava deles e lhes retiraria o seu apelido. Era inevitável, quando Raymond Burr nasceu, que a sua mãe divorciar-se-ia do seu pai canadiano, mudando-se para a Califórnia, criando o filho com os seus pais. Alcoolismo, ódio, solidão, pais ausentes, violação e abuso sexual, atenção excessiva das mães, tudo isto é inevitável quando um certo tipo de rapaz nasce.

Um dos alunos mais emocionalmente perturbados que conheci enquanto professor gostava de falar durante as aulas, de forma totalmente irrelevante, sobre como o actor Elijah Wood lhe dava banho em pequeno. O seu pai tinha-se suicidado quando ele tinha apenas nove anos e a mãe voltou a casar, com um homem que ele odiava. Tudo isso era inevitável, claro. O rapaz nasceu assim.

Os únicos rapazes que não nasceram assim são os rapazes normais que, se lhes dermos a possibilidade, jogam aos polícias e ladrões, formam equipas de futebol, constroem carrinhos de rolamentos, passeiam pela floresta, caçam pequenos animais, memorizam tudo sobre o que mais lhes interessa, brincam com fogo, electricidade ou catapultas e começam a reparar nas meninas bonitas que durante anos tentaram ignorar. Esses são socialmente condicionados, mas de forma mágica, tendo em conta que o mesmo comportamento pode ser encontrado entre rapazes de todas as idades e em todos os locais e culturas conhecidas pelo homem.

Somos loucos, completamente loucos.


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são:  Reflections on the Christian Life: How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child.

(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 4 de Março de 2015 em The Catholic Thing)

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