Wednesday, 7 May 2014

A Igreja e a ONU, de Novo

Austin Ruse
A Santa Sé volta ao banco dos réus da ONU esta semana. Desta vez é a Comissão de Tortura, e não vai ser bonito. [Desde que o artigo foi publicado no site do TCT a audição já se realizou]

Lembram-se da última vez? Há meses a Comissão da ONU para os Direitos da Criança disse à Santa Sé que a Igreja devia mudar os seus ensinamentos sobre assuntos de moral fundamentais como o aborto, contracepção, sexualidade na adolescência e casamento. O facto de apenas os suspeitos do costume se terem mostrado horrorizados significa que a Comissão de Tortura deve seguir o mesmo caminho.

A Convenção das Nações Unidas contra a Tortura, outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, foi aceite pela Assembleia Geral da ONU em Dezembro de 1984 e entrou em vigor passados três anos. Actualmente 155 governos ratificaram o tratado, incluindo o Irão e a Arábia Saudita. A Santa Sé assinou o tratado em 2002.

A Convenção em si é uma coisa boa. Define a tortura da seguinte maneira:

Qualquer acto por meio do qual uma dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente causados a uma pessoa com os fins de, nomeadamente, obter dela ou de uma terceira pessoa informações ou confissões, a punir por um acto que ela ou uma terceira pessoa cometeu ou se suspeita que tenha cometido, intimidar ou pressionar essa ou uma terceira pessoa, ou por qualquer outro motivo baseado numa forma de discriminação, desde que essa dor ou esses sofrimentos sejam infligidos por um agente público ou qualquer outra pessoa agindo a título oficial, a sua instigação ou com o seu consentimento expresso ou tácito. Este termo não compreende a dor ou os sofrimentos resultantes unicamente de sanções legítimas, inerentes a essas sanções ou por elas ocasionados.

A convenção declara que não existem excepções à proibição da tortura, incluindo guerra, emergência pública, actos terroristas ou qualquer tipo de conflito armado. Os signatários aceitam incluir estas proibições na sua lei nacional, para aplicar o tratado em todos os territórios sob sua jurisdição, extraditar transgressores e, quando isto não for possível, a jurisdição universal.

É fácil ver como a Igreja veria tudo isto com bons olhos, até entusiasticamente. E é fácil também ver como a Igreja, pelo menos na era pós-inquisição, dificilmente violaria o tratado. Mas não.

Os governos que ratificam o tratado têm de comparecer diante do organismo de supervisão para explicar de que forma ele está a ser implementado. Estes organismos são compostos por peritos, nomeados pelos seus próprios países. Mas quando estão na comissão, representam-se apenas a si mesmos e não os países de origem. São agentes livres. E nota-se.

Eis o que vai acontecer à Santa Sé às mãos da comissão. A Igreja vai ser instruída a alterar os seus ensinamentos sobre o aborto. A Igreja será acusada de violar o tratado por permitir o abuso sexual de menores, mesmo fora dos 100 hectares da Cidade do Vaticano, em qualquer parte do mundo onde uma criança tenha sido abusada por um padre católico. Provavelmente a comissão opinará também sobre a orientação sexual e identidade de género. Mas alguma destas coisas consta do tratado contra a tortura? Não.

Há anos alguns actores influentes da ONU, incluindo os chefes de todos os organismos de monitorização da altura e das grandes agências como a UNICEF, encontraram-se em Glen Cove, Nova Iorque, e chegaram a um acordo para um plano para espalhar o evangelho da esquerda sexual através de todos os tratados de direitos humanos das Nações Unidas, mesmo naquelas que não mencionam questões como o aborto. Aliás, o aborto não é mencionado em nenhum destes tratados. Nem um. Contudo, praticamente todos os organismos de supervisão dos tratados dizem aos Estados que têm de legalizar o aborto – e muito mais.

A Comissão sobre Tortura já disse à Irlanda, Polónia, Nicarágua e Bolívia que a criminalização do aborto em caso de malformação, violação, incesto e perigo de vida da mãe é considerada tortura, ao abrigo do tratado. A comissão também já questionou os Estados Unidos sobre a tortura de homossexuais.

A Santa Sé no banco dos Réus na ONU
Interessa? As declarações das comissões têm algum efeito? Significam muito para professores de direito de esquerda, certamente, bem como para juízes e deputados do mesmo pendor. Aliás, muitos consideram que as declarações destes organismos criam normas vinculativas. E alguns tribunais e parlamentos já começaram a concordar. O Supremo Tribunal da Bolívia mudou as leis nacionais sobre aborto com base nas observações finais da Comissão sobre Tortura.

O que é que vai acontecer a seguir? A comissão vai pressionar o Vaticano. Provavelmente mostrará pouco respeito pelos representantes da Santa Sé. Referir-se-á a Arcebispos como “Senhor” e à Igreja como “a vossa organização”. Não escutará – verdadeiramente – os representantes da Santa Sé, mas as perguntas durarão horas. O relatório final será publicado daí a umas semanas, embora o mais provável seja que já esteja escrito, provavelmente por uma ONG de esquerda com um particular ódio pela Igreja.

A imprensa rejubilará por poder dizer que a Igreja está em violação de mais um tratado de direitos humanos e poucas pessoas compreenderão verdadeiramente o que aconteceu.

O que é que a Igreja deve fazer? A Igreja deve aguentar a sova neste novo processo. Deve ter uma estratégia bem montada de relações públicas para responder ao relatório e deve utilizar todas as oportunidades para explicar como estes organismos ditos de defesa dos direitos humanos de facto prejudicam os verdadeiros direitos humanos.

Depois devia esperar uns anos e, sem grande alarido, retirar-se de todos os tratados da ONU. E devia explicar porquê: porque estas comissões estão a ir muito mais longe do que o seu próprio mandato e, ao fazê-lo, estão a prejudicar os direitos humanos verdadeiros. A Igreja não quer ter nada a ver com isso.

Afinal de contas, foi a Igreja que inventou os direitos humanos e devia dar uma lição a estes meias-lecas.


Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.

(Publicado pela primeira vez em The Catholic Thing na Sexta-feira, 2 de Maio de 2014)

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