Thursday, 15 August 2013

Nada de Milagres

Anthony Esolen
O excerto que se segue é de Anne Roche Muggeridge, num estilo irónico, digno do seu sogro Malcolm:

O que é que, na verdade, deve fazer o cristão moderno, crítico e maturo, quando reúne os seus filhos para celebrar o Natal? Deve juntar os pequenos de volta do presépio e ler Raymond Brown [biblista da escola histórico-crítica] em vez de São Lucas a falar da concepção virginal de Jesus?: “Concluindo, o meu juízo é de que a totalidade das provas cientificamente controláveis deixam a questão em aberto”. Como os seus olhos brilharão e os seus pequenos corações arderão no seu peito enquanto ouvem essas palavras! Quão comovidos ficarão quando a criança mais pequena colocar, reverentemente, um ponto de interrogação na manjedoura vazia.

Quando estamos de caras com um milagre, aquilo que é “cientificamente controlável”, por definição não entra em cena. O Raymond Brown é suficientemente inteligente para o perceber, mas gosta de jogar nos dois campos, aparecendo para o Natal, mas piscando o olho aos illuminati. Ou devemos acreditar que o Deus que criou o universo é incapaz de frutificar um óvulo no seio de uma mulher?

Este é mais um exemplo da mitologização dos desmitologistas. Acreditar no nascimento virginal de Jesus e na criação divina do mundo é coerente. Não acreditar nem num nem noutro também. Mas acreditar no primeiro e dizer que o segundo é impossível é que não é coerente.

Isso seria transformar Deus numa coisa imaginária: Um Deus suficientemente potente para criar um universo, mas que é incapaz de fazer maravilhas dentro desse mesmo universo. Tal completada. Um Apollo que não é bem de fora do mundo, nem bem presente em todo o mundo; um Deus comprovado nem pela Escritura, os ensinamentos da Igreja ou as conclusões do raciocínio metafísico. Uma fantasia dos académicos.

Quando eu era novo, passei um Verão numa casa de Operários Católicos, onde conheci um noviço jesuíta que tinha sido enviado para trabalhar lá como parte da sua formação pastoral. Foi dele que ouvi pela primeira vez o Mito dos Farnéis Escondidos.

O Mito dos Farnéis Escondidos é um bom exemplo da mitologização moderna. A maioria dos meus leitores não deve conhecer. Quando Jesus e os seus apóstolos estavam com as multidões no deserto e caiu a noite e o povo não tinha que comer, Ele instruiu os seus discípulos a distribuir uns poucos pães e peixes e shazzam! De repente aquelas pessoas, envergonhadas, tiraram os seus Farnéis Escondidos e comeram abertamente, e até partilharam a sua comida uns com os outros, e os restos chegaram para encher 12 cestos, e toda a gente se divertiu.

 “Ora bem”, diz o modernista, com o braço à volta do seu ombro, a sua voz cheia de sinceridade, “não será esse o verdadeiro milagre nesta cena? Que as pessoas tenham aberto os corações? Que me dizes? Tu és inteligente, és subtil, não compras esta banha da cobra, sabes onde está a verdade!”

Vamos lá então examinar de perto aquilo que o Mito dos Farnéis Escondidos pede que acreditemos:

Devemos acreditar que não tenha ocorrido aos discípulos de Jesus, que tinham passado meses a viajar com ele sobre estradas difíceis em campo aberto, que talvez as pessoas tivessem pensado em trazer comida consigo se tivessem a pensar estar longe das suas casas durante um ou mais dias.

Devemos acreditar que pessoas que tinham de pensar todos os dias sobre o que é que iam comer não tivessem pensado nisso desta vez, quando o texto nos diz que era nisso que os discípulos estavam a pensar, porque as multidões tinham seguido Jesus no calor do momento, por assim dizer, e os discípulos sabiam que não havia nada para eles comerem.
 
Somos todos tão fixes e tão modernos!
É suposto acreditarmos que os discípulos não teriam feito o mais óbvio, perguntando às pessoas na multidão se havia comida.

Devemos acreditar que as pessoas esfomeadas não teriam, por sua livre iniciativa, retirado a comida que tinham consigo, se é que tinham, e começado a comer.

Devemos acreditar que, numa sociedade em que a primeira das virtudes era a hospitalidade, todas as pessoas estavam a esconder pães e peixes por dentro das suas capas, como o Tio Patinhas agarrado às suas moedas, algo que nem nós, no auge do nosso egoísmo, faríamos.

Devemos acreditar que os apóstolos eram completamente estúpidos no que toca a questões em que eles, como homens habituados a suar para ganhar o seu pão, tinham de facto maior conhecimento, os hábitos diários dos seus conterrâneos.

Devemos acreditar que ficaram completamente estupefactos quando os Farnéis Escondidos apareceram.

Devemos acreditar que o milagre, referido pelos quatro evangelistas, é por isso acidental.

Uma vez que tudo isto aconteceu não por vontade do Senhor, mas por vontade das pessoas, não pode ter nada a ver com a maravilha que é a Eucaristia, nem com o maná do deserto, nem com as bodas do Cordeiro. Não tem nada a ver com a encarnação do Verbo em Nazaré, presente em todos os sacrários do mundo. É um mito de auto-celebração. “Vede como somos bons! Partilhamos as nossas sanduíches de paio e as nossas bolachas!”

Perguntei ao novice se Deus poderia ter feito o milagre como vem descrito nos Evangelhos. “Teria de pensar no assunto”, respondeu. Poucos dias depois disse-me que sim, Deus poderia tê-lo feito.

Espero que Ele esteja devidamente agradecido pela cedência.


Anthony Esolen é tradutor, autor e professor no Providence College. Os seus mais recentes livros são:  Reflections on the Christian Life: How Our Story Is God’s Story e Ten Ways to Destroy the Imagination of Your Child.

(Publicado pela primeira vez na Quarta-feira, 14 de Agosto de 2013 em The Catholic Thing)

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