Thursday, 2 May 2013

Tribunais Problemáticos

Randall Smith
Entre os vários empregos que tive quando estava na universidade, inclui-se ter trabalhado para uma companhia aérea. Uma das coisas que descobri nesse emprego foi que há toda uma série de dificuldades que irritam os passageiros, mas há um problema que garantidamente os alienará para sempre.

Os passageiros não gostam de atrasos, não gostam de falta de espaço para as pernas, nem de funcionários mal-educados e insensíveis. Mas nenhuma destas coisas os impedirá de escolher a mesma companhia numa próxima ocasião. Contudo, se lhes perdermos as malas, acabou-se. Não voltarão nos próximos anos, talvez nunca. A questão é que é muito fácil estarmos tão preocupados em garantir que as pessoas entram e saem dos aviões, que nos esquecemos este tipo de detalhe, mas é algo que tem um enorme impacto na vida dos passageiros.

Tenho percebido que há um problema semelhante que afecta as dioceses católicas. A má qualidade das músicas, as homilias pobres, as igrejas feias, tudo isso irrita, mas continuarão a vir – pelo menos por algum tempo. Mas basta liderar mal um processo de nulidade e nunca mais os apanham. Assisti a isto vezes demais: Um católico fiel e dedicado aborda a Igreja procurando um juízo sincero sobre se um casamento foi ou não foi válido e é recebido com má educação, atrasos burocráticos, papelada perdida, maus conselhos, indicações erradas e, por vezes, mentiras.

Facilmente os responsáveis ficam tão embrenhados na gestão diária das paróquias que se esquecem dos pequenos assuntos que são muito importantes na vida das pessoas envolvidas. A dor e a amargura causada por se lidar mal com um processo de nulidade não vão desaparecer tão depressa.

Atenção, não estou a pedir processos de nulidade mais fáceis ou mais frequentes. Os critérios para uma declaração de nulidade estão fixas no direito canónico e nas Escrituras. O meu apelo tem antes a ver com a dimensão pastoral e burocrática da questão. Dossiers perdidos, maus conselhos, secretárias mal-educadas e falta de sensibilidade pastoral entre os funcionários dos tribunais eclesiásticos causam danos sérios.

Não tenho a menor dúvida de que praticamente todos os tribunais eclesiásticos deste país têm falta de pessoal. A maioria dos bispos estão, e bem, focados nos assuntos diários das paróquias. Contudo, não podem ignorar a competência dos seus tribunais diocesanos, da mesma maneira que as companhias aéreas não podem ignorar a questão da bagagem desviada. O resultado será católicos perdidos para a Igreja – às vezes para sempre.

E depois, claro, há os casos de benfeitores ricos que doam milhares à Igreja e vêem os seus processos de nulidade tratados em quatro semanas, enquanto os dossiers de todos os outros se perdem ou ficam meses em cima de uma secretária. As histórias destes pequenos favores quase sempre se tornam conhecidas, por mais que os bispos pensem que as podem manter escondidas.

Há ainda os padres insensatos que aconselham cinicamente os seus paroquianos (com um piscar de olho), que se mudarem os detalhes do seu testemunho, tudo será mais fácil. Este tipo de comportamento irresponsável apenas convence as pessoas envolvidas de que o processo não é uma procura séria pela verdade, mas apenas um jogo legal.



E tragicamente encontramos católicos a quem foram concedidos decretos de nulidade, com bases sólidas, mas que ainda têm dúvidas sobre a sentença porque o trabalho do tribunal foi tão mal feito, ou até porque houve casos de corrupção. Algumas destas pessoas passarão a vida a acreditar (e a dizer a toda a gente), que a nulidade é simplesmente um “divórcio católico”.

Os fiéis merecem melhor. Precisam que seja determinado, com seriedade, se estavam de facto casados ou não, com base num processo aberto e transparente com critérios e provas claramente definidos. Devem ter acesso a este juízo num prazo razoável e o processo deve ser explicado de forma clara antes e a cada passo do caminho. Os católicos têm direito a receber conselhos bem-informados e não a ouvir os esquemas cínicos de clérigos que pensam que sabem manipular o sistema. Precisam de ser atendidos por funcionários que não percam os seus formulários e que lhes falem de forma respeitosa, cientes de que a pessoa do outro lado está a atravessar um processo terrível e que provavelmente não está no seu melhor.

Acima de tudo, precisam que lhes digam repetidamente que estão a atravessar um processo que é legal e pastoral. É pastoral porque envolve uma séria e por vezes difícil auto-examinação que provavelmente será desconfortável mas que, se abordada de forma honesta, pode acarretar compreensão e sabedoria para um futuro melhor. Porém, embora pastoral, este é também um procedimento legal, com categorias e padrões.

No fim de contas, não é apenas uma questão de saber se os esposos sentiam que estavam casados, ou não. A questão está em saber se, com base nas leis de Deus e da Igreja, estavam ou não casados. Se sim, não há poder nenhum no mundo que possa dissolver essa ligação.

Católicos que procuram uma declaração de nulidade devem estar preparados para percorrer um caminho duro. Um processo de nulidade é difícil, porque toca a vida das pessoas envolvidas nos seus pontos mais íntimos e vulneráveis e porque requer algumas das maiores expressões de honestidade que um católico pode ser chamado a exercer. Não há como evitar estas dificuldades, e não vale a pena dourar a pílula.

Mas por amor de Deus, ao menos lidem com a papelada e cheguem a uma decisão dentro de um prazo razoável. Depois de dois ou três anos sem decisão, até o mais fiel dos católicos terá começado a namorar outra vez, o que poderá ter dolorosas consequências se a nulidade não for concedida. Percam-lhes os formulários pelo caminho e mesmo que tudo corra bem, o mais natural é que os tenham perdido para sempre do rebanho. Não os conseguiremos convencer de que esta é a Igreja dos pobres e dos sofredores se, quando vêm ter connosco no período mais difícil e triste das suas vidas, e não formos capazes sequer de tratar da papelada.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no quinta-feira, 25 de Abril 2013 em The Catholic Thing)

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