Wednesday, 29 May 2013

Luxúria

Randall Smith
Há uma velha piada sobre um noviço que está a conhecer o mosteiro da sua ordem mendicante. Enquanto olha, pasmado, para os quartos aprumados, a mobília luxuosa e os plasmas caríssimos na parede, exclama: “Se isto é pobreza, que venha a castidade!” Segundo consta, isto passou-se na realidade, recentemente, quando um grande benfeitor fazia uma visita guiada a um mosteiro de frades mendicantes no Leste dos Estados Unidos.

Como é hábito com o humor satírico, há aqui não só um grão de verdade nos detalhes, mas também uma sabedoria mais profunda. A relação entre pisar ligeiramente a linha no que diz respeito aos votos de pobreza, e dar vários saltos no que diz respeito aos de castidade, não é acidental. Os mestres espirituais da Idade Média, com uma sabedoria que nos escapa, costumavam falar dos perigos da luxúria, de viver uma vida “morna”, rodeada de confortos. O Papa Francisco recentemente avisou para o mesmo perigo.

Da minha parte, não posso deixar de pensar que o horror da pedofilia na Igreja terá sido causado não só pela sexualização da cultura nas décadas de 60 e 70, mas também pela incapacidade de dominar os desejos próprios, a justificação mais ouvida para a violação dos votos sacerdotais, uma realidade que radica na excessiva luxuria em que viviam os clérigos nas décadas de 40 e 50: Seminários confortáveis, boas refeições, “palácios” episcopais, botões de punho chiques, camisas brancas engomadas... todos os luxos do homem de negócios de classe média-alta. Imaginem o Don Draper, dos Mad Men, como padre, e ficam com uma ideia.

Um amigo meu europeu comentou uma vez: “Os vossos padres, aqui na América, são tão... burgueses”. Vivem em casas confortáveis, conduzem carros confortáveis, dão o seu tempo a causas confortáveis. As exigências que fazem à “carne” são decididamente poucas e as acomodações ao “mundo” são muitas.

Claro que também há padres que vivem vidas modestas e santas, mas não são tantos como deviam ser.

Frequentemente ouvimos os padres a dizer nas suas homilias que devemos aprender a viver fora das nossas “zonas de conforto”. O seu sentido é “espiritual”, ou seja, “metafórico”. É uma frase feita que aprenderam durante o curso de psicologia que tiraram em vez de se prepararem para o sacerdócio, estudando os padres e os doutores da Igreja.

São Francisco teve uma atitude diferente. Quando ouviu dizer: “Vai, vende tudo o que tens e segue-me”, foi precisamente isso que fez. E quando ouviu: “Francisco, restaura a minha Igreja”, restaurou literalmente a Igreja de São Damião. Com o Papa Francisco teremos um novo modelo para o clero? Segundo este modelo, se os padres acreditam que é importante (como insistem em dizer), sair da nossa “zona de conforto”, então talvez pudessem começar por dar o exemplo, saindo das suas zonas de conforto, literalmente.

Quando ouvimos falar em monges medievais a “disciplinar a carne”, pensamos que terão estado envolvidos nalguma forma de auto-flagelação  Na maioria dos casos, não. Não é que nunca o fizessem, é simplesmente que quando o faziam era normalmente para se recordarem de maiores graus de disciplina que deviam observar, uma disciplina de mente e de espírito – de toda a vida, incluindo desejos, vontade e intelecto, orientados para Deus.

Modelo para os padres dos anos 50?

Na Bíblia, quando São Paulo fala em não sucumbir aos desejos “da carne”, não está a dizer que o corpo é mau, da mesma maneira que quando diz que não devemos sucumbir aos desejos “mundanos”, não está a dizer que o mundo é mau. O mundo que Deus criou é bom, “muito bom”, como é a carne na qual fomos criados e na qual ele encarnou. O problema surge quando “o mundo”, em vez de nos guiar em direcção ao seu criador, nos leva no sentido contrário. O problema surge quando “a carne”, em vez de servir a pessoa, se torna mestra, e nós nos tornamos escravos dos nossos apetites e desejos.

E atenção, logo que que os desejos menores se começam a tornar nossos mestres, mais ninguém o poderá fazer. Quando começam as pequenas infidelidades contra a pobreza e a castidade, não tardarão as infidelidades contra a obediência. “Não devo obediência aos meus superiores”, ouvimos dizer. “Não enho de temperar a minha teimosia”. “Afinal de contas, porque é que existem todas estas regras tontas – regras contra ‘sentimentos’ e ‘desejos’ perfeitamente normais?” Sim, são sentimentos e desejos “perfeitamente normais”. Mas isso não significa que tenham de ser saciados. Quando começamos a pensar que sim – que têm de o ser – então é porque as sementes da infidelidade mais séria já foram plantadas.

A Igreja já esteve nesta posição. Os católicos nem sempre percebem o quão “morno” e corrupto o clero se tinha tornado antes do Concílio de Trento. Padres com pouca educação e ainda menos formação espiritual, tachos confortáveis e uma amante ou duas à disposição: Lutero tinha muita matéria para trabalhar.

É precisamente por causa do Concílio de Trento, aliás, que temos seminários. A ideia era serem um tipo de pequenos mosteiros, onde as virtudes monásticas podiam ser cultivadas e os votos de pobreza, castidade e obediência aperfeiçoados. Seriam espaços para ensinar aos jovens padres aquilo que os mosteiros já sabiam há séculos, nomeadamente que “disciplinar a carne” significa, em primeiro lugar, não ceder às tentações da luxuria – da “moleza”.

Se nas próximas décadas virmos uma “nova envangelização”, então será necessário os bispos aprenderem com as lições do passado sobre a renovação sacerdotal. Aqueles padres a viver, sozinhos, em casas nos subúrbios... são um desastre à espera de acontecer. Senhores bispos, chamem-nos de volta a casa para viverem convosco em comunidade. Viver com os seus padres numa comunidade monástica foi o que fez Santo Agostinho em Hipona, e ele mudou o mundo.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no quinta-feira, 25 de Abril 2013 em The Catholic Thing)

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