Wednesday, 27 February 2013

Cargos e Envelhecimento

Randall Smith
Talvez seja por me ter convertido em adulto, mas não estou tão chocado como a maioria das pessoas pela resignação de Bento XVI. Na verdade é o choque delas que me choca mais.

O Papa Bento XVI limitou-se a enfrentar um problema que nós, na América, nos temos recusado a enfrentar. Apesar de dizermos que conseguimos alargar o tempo médio de vida, o que de facto conseguimos foi anular muitas das coisas que matam a maioria das pessoas antes de chegarem aos oitenta ou noventa anos.

Por isso, em vez de morrer rapidamente de pneumonia, tuberculose ou AVC, como acontecia no passado, hoje os idosos vão vivendo, embora com capacidades cada vez mais reduzidas, por muitos anos. Por um lado isto é uma bênção, mas por outro é um desafio.

Quando se estabeleceu pela primeira vez o sistema de Segurança Social a idade a partir da qual se começava a receber subsídios era 65, porque os homens naquela altura morriam por volta dos 63. A Segurança Social era entendida como uma “rede de segurança” para apanhar aqueles que viviam até bem depois da reforma e da “garantia natural” da produtividade humana. A intenção nunca foi de criar um subsídio de reforma por 25 anos, que é aquilo em que se tem tornado. A nossa incapacidade de lidar com este facto conduziu à quase bancarrota do sistema.

Da mesma forma, não sabemos bem o que fazer com as nomeações vitalícias para o Supremo Tribunal. O que é que se faz quando um juiz se recusa a partir, apesar de já estar demasiado velho para desempenhar a sua função? Consta que nos últimos anos do juiz Marshal os seus colegas concordaram que não o deixariam ser o voto decisivo em casos importantes para que mais tarde esses votos não pudessem ser considerados “ilegítimos” por causa das suas capacidades diminuídas.

A veracidade do boato é-me indiferente, o que quero dizer é que temos um problema que nos recusamos a enfrentar. Os cargos vitalícios faziam sentido quando os seus ocupantes morriam no espaço de meses depois de terem sido atingidos por uma maleita mortal. Agora, graças a Deus, temos a capacidade de viver até mais tarde, gozando longos anos com os nossos netos, e sobrevivendo como pilares de sabedoria para a sociedade. Mas isso não significa que seremos todos capazes de desempenhar as funções inerentes aos nossos ofícios (sendo que “officium” é latim para “dever”).

Lembro-me, quando era mais novo de ouvir falar de importantes cardeais a morrer em plenas funções aos 65 ou 68 anos. Hoje em dia pede-se aos bispos que apresentem as suas resignações aos 75. E os cardeais, independentemente da sua idade ou sabedoria (penso por exemplo nos últimos anos do Cardeal Dulles), não podem votar no Conclave depois dos 80 anos. Esta política sempre me pareceu prudente. É evidente que nalguns casos, como do Cardeal Dulles, perdemos votos importantes, mas há outros que provavelmente deviam ser dispensados dessa obrigação. Será o Papa a única figura eclesiástica que está isenta das dificuldades do envelhecimento? É evidente que não.


Os fiéis estão habituados a ter os seus “antigos” bispos e arcebispos a circular pela diocese, a celebrar missas e a aparecer em público, fazendo discursos. Alguns deles, como o meu amado bispo emérito John D’Arcy, que morreu recentemente, estão também a combater os efeitos debilitantes de doenças como o cancro. Homens destes merecem ser dispensados da atenção constante dos media e têm direito a alguma paz enquanto entram no processo de morrer. Porque sejamos honestos: é isso que lhes espera – e a nós também.

Na Idade Média os sábios escreviam tratados sobre a ars moriendi, a “arte” de morrer e morrer bem. Não tinha nada a ver com as doses certas de veneno a tomar, era sobre como preparar-se a si e aos seus durante os últimos meses e dias de vida para poder enfrentar o Criador face a face.

Não se tratava de uma preparação que pudesse ser alcançada durante um seminário de fim-de-semana ou um churrasco. Era preciso oração, muita oração, um ofício no qual não há profissionais e no qual poucos são peritos. Os monges não precisam de reforma. Mas para pessoas que vivem o tipo de “vida activa” de que tanto nos orgulhamos, e que tiveram poucos momentos na vida para acalmar a mente e ficar na presença de Deus, a velhice era o tempo ideal para se habituarem à prática.

Em contraste, no mundo moderno, adoptamos a frase que Dylan Thomas escreveu ao seu pai, no seu leito da morte: “Rage, rage against the dying of light. / Do not go gentle into that good night”. Em vez de acompanhar os nossos idosos, com amor, no seu processo de morte, insistimos que se comportem como “yuppies” produtivos, ou então escondemo-los para que morram sozinhos e longe da vista. A nossa é uma cultura verdadeiramente cruel.

O Papa está no processo de morrer, e tudo o que algumas pessoas conseguem fazer é pensar sobre como a sua partida para uma vida de oração e preparação para esse momento vai afectar a política deste reino efémero que julgamos ser tão importante.

Bento XVI serviu-nos bem e sabiamente. Aguardo ansiosamente mais um ou dois livros, se for esse o seu desejo e o de Deus. Que possa retirar-se e descansar em paz. E que os católicos de todo o mundo se virem novamente para aquele que é o seu protector em tempos de dificuldade: Deus: Pai, Filho e Espírito Santo, que continuará a guiar a sua Igreja, como sempre fez.


Randall Smith é professor de teologia na Universidade de St. Thomas, Houston.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 24 de Fevereiro 2013 em http://www.thecatholicthing.org/)

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