Friday, 13 July 2012

A religiosidade dos universitários

José Maria Pereira Coutinho
Transcrição integral da entrevista a José Maria Pereira Coutinho, sobre a sua tese de doutoramento de Sociologia, relativa à religiosidade dos universitários.

Qual é o objectivo desta tese?
A tese tinha três objectivos. Primeiro estudar a religiosidade católica, o segundo era estudar as recomposições religiosas, isto é, estudar a mistura entre religiosidade católica e religiosidade não católica. E em terceiro lugar estudar a socialização religiosa.

Tudo isto num universo universitário?
Foi feita uma amostra de 500 alunos do ensino público universitário de Lisboa, do ISCTE, da Universidade Nova de Lisboa e da Universidade Técnica de Lisboa e da Universidade de Lisboa.

É representativo dos universitários do país?
Não se pode dizer isso. Pode-se dizer que pelo facto do ensino público ser claramente maioritário em relação ao ensino privado universitário, em Lisboa e em Portugal, esta amostra representa bem a população em estudo, agora, extrapolar os dados para Portugal inteiro não, nem era esse o objectivo.

A nível de dados, o que é que se destaca?
Foi aplicado um inquérito por questionário, com perguntas sobre crenças e práticas católicas, atitudes em relação ao casamento, vida e sexualidade, perguntas sobre crenças e práticas não católicas e vários aspectos da vida a que os jovens dão mais importância, e por último perguntas sobre socialização religiosa.

São muitos parâmetros, o que posso dizer de mais importante é que em relação às crenças católicas foram feitas várias perguntas. As mais importantes eram acreditar que o Papa é sucessor de São Pedro e chefe da Igreja, o pecado, o céu, acreditar na vida depois da morte, estamos a falar de valores entre os 34% e os 37%. Dos menos importantes temos a ressurreição, a infalibilidade do Papa em alguns aspectos, o inferno e o purgatório com valores entre os 18% e os 16%.

Mas o pecado está entre os mais importantes?
O pecado está à volta dos 35%. Nestas questões houve uma taxa de “não sabe e não responde” entre os 10 a 20%, o que é muito elevado.

O que indica um desinteresse ou desconhecimento entre esta população?
Há várias interpretações, uma pode ser essa, outra pode ser o facto de serem muitas perguntas seguidas e eles responderem se calhar um bocado depressa de mais. Ou então, não querendo pensar muito no assunto. Poderá também ser porque as alternativas de resposta não eram muitas, eram sim ou não, mas poderia ser de nada até muito.

Havia espaço para dizerem se eram ateus, ou a ideia era só estudar pessoas que se identificavam como católicas?
Havia uma pergunta sobre a concepção de Deus, com várias alternativas, e uma era de “acredito num Deus pessoal”. Depois havia também “Deus não existe”, e “Não sei se Deus existe”.

Entre Agnósticos e Ateus deu quanta percentagem?
Ateus e agnósticos em conjunto deu 25%, o que é bastante.


Estará acima da média?
Sim, mas estamos a falar de uma população jovem, universitária, maioritariamente entre os 20 e os 21 anos, com uma formação académica, ou em vias de finalização académica elevada. Que estão no último ano do curso a passar para o mestrado integrado.
Das análises sociológicas que conhecemos, hoje em dia os jovens não é como antigamente em que a religião era vista como ciclo de vida, aumentava até à adolescência, depois diminuía até aos 40 e tal anos e depois voltava a subir. Agora não, há um crescendo desde a adolescência até à velhice, isto para dizer que os jovens são cada vez mais os menos religiosos.

Mas isto corresponde ao estereótipo do jovem universitário a descartar os valores dos pais, ou dos avós, a querer afirmar-se na modernidade…
É preciso falar em dois aspectos muito importantes, a família e o lazer. Em primeiro lugar a família. Pela erosão da família tradicional no mundo, mas principalmente no contexto europeu e mais concretamente no contexto português leva a uma propensão para os jovens serem menos religiosos, porque sabe-se que a socialização religiosa passa em primeiro lugar pela família e principalmente pelas mães. O facto de as mães estarem cada vez mais integradas no mercado de trabalho leva a que os jovens não tenham o acompanhamento de socialização religiosa que antigamente tinham.
Isso é um aspecto muito importante, a parte familiar, para não falar dos divórcios, dos rompimentos conjugais, que levam a que sejam ocasião para a perda de modelos familiares e de modelos religiosos.

Em termos de lazer, o lazer cada vez puxa mais para o prazer e não tanto para a introspecção, fundamental para o crescimento religioso.

Em termos de socialização, ainda acontece as pessoas escolherem os seus amigos com base nos valores e nas crenças?
Havia uma pergunta sobre a convicção religiosa dos amigos mais chegados. As respostas foram claras. Para os católicos praticantes, os amigos mais chegados eram católicos praticantes, os não praticantes eram não praticantes e com os ateus/agnósticos eram ateus/agnósticos, há uma identificação nítida, isso foi muito claro.

Depois foi aplicada uma análise multivariada que pega em vários variáveis para criar uma tipologia. Dessa análise geraram-se três tipos de católicos: Os católicos nucleares, cerca de 26%, os Católicos intermédios cerca de 20% e os não católicos, cerca de 54%.

Por católicos nucleares podemos entender pessoas para quem a identidade católica é o centro da sua vida?
São as pessoas com mais crenças católicas, mais prática e por último são os que seguem mais as normas da Igreja em relação a aspectos como o casamento, a vida e a sexualidade.

Presumo que seja uma área que estava por estudar…
A religião, como domínio da sociologia em Portugal, não tem muitos seguidores. Havendo essa oportunidade aproveitei, também por interesses pessoais.

Algum padrão em relação às disciplinas estudadas por estes alunos?
Sim. Em termos de género as raparigas são mais religiosas que os homens, isso vem ao encontro de vários estudos. Em relação às áreas de ensino os mais religiosos são os de engenharia civil, do Técnico, e de medicina; e os menos religiosos são os de ciências, neste caso de biologia, da faculdade de ciências e das ciências sociais, principalmente os de Relações Internacionais da Faculdade da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Nova.

Mais alguma coisa a acrescentar?
Nestes três tipos religiosos que referi depois fez-se um cruzamento com os vários aspectos da vida, que são 23. Deste cruzamento houve uma reformulação dos tipos religiosos. Os católicos nucleares passaram a ser os “ortodoxos socio-centrados”, porque são aqueles que dão mais importância às relações sociais, a família, o amor, o associativismo.

Os intermédios passaram a chamar-se heterodoxos ambiciosos, porque prezam acima de tudo o sucesso profissional e escolar. E por último, os não católicos passam a descrente-activistas e hedonistas, porque prezam acima de tudo a política e as relações sexuais.

Existe a ideia de que a sociologia é muito dominada por uma ideologia muito de esquerda, anti-religiosa. Pode-se generalizar assim?
Sim e não.

Emile Durkheim
No seu começo, se tomarmos o Comte como pai da Sociologia, ele queria criar uma alternativa à Igreja Católica, apesar de ele ser um grande admirador da Igreja, pelo papel desempenhado ao longo da história. Ele defendia que havia três fases na história, a fase teológica, a metafísica e a positiva e que estávamos a entrar na fase positivista. Na fase positivista a sociologia seria a nova religião e os sociólogos seriam os novos sacerdotes.

Isto para dizer que se na sua base a sociologia é uma ciência que tem como objectivo ser uma alternativa à religião católica, obviamente que os sociólogos, baseando-se nos documentos da disciplina não serão fervorosos adeptos da religião.

Os dois clássicos da sociologia, o Weber e o Durkheim também não eram religiosos e também contribuem para que a disciplina não seja adepta da religião. Um terceiro aspecto, que vai contra isto, é na sociologia religiosa francesa e belga, que influenciou bastante a sociologia religiosa em Portugal, estão ao dispor da pastoral da Igreja e influenciaram mais tarde a criação do Secretariado de Informação Religiosa do D. Manuel Franco Falcão, na altura sacerdote em Lisboa, tinha um boletim de informação pastoral. Basicamente trouxeram a sociologia da religião de França para Portugal.

Entretanto a revolução de 1974 veio trazer grandes mudanças à sociedade portuguesa e à sociologia. O que se pode dizer hoje em dia é que em Portugal a sociologia em geral é uma ciência que está mais vinculada ao ateísmo e ao agnosticismo, eventualmente pode haver algumas pessoas religiosas.

Na sociologia da religião em Portugal, as pessoas estão vinculadas ou têm alguma simpatia pela religião, não há ateísmo ou agnosticismo militante. Lá fora é a mesma coisa.

[Corrigido no dia 15 de Julho]

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