Wednesday, 11 July 2012

O Jogo dos Pluralistas

Francis J. Beckwith
Funciona da seguinte maneira. O liberal, não conseguindo apoio popular para a actividade que quer ver permitida, sugere o seguinte aos seus adversários: Porque é que não deixamos que cada indivíduo decida por si se quer, ou não, fazer X? Ele fazer X não o afecta a si, uma vez que ele não o está a obrigar a fazer X. Logo, esta é uma posição absolutamente neutra e consistente com as liberdades individuais. Ao permitir que os outros façam X, não está a aprovar de X. Simplesmente está a deixar que cada pessoa opte por fazer, ou não fazer, X.

O Jogo dos Pluralistas é o nome de um livro composto por uma colecção de ensaios da autoria do filósofo político e professor em Fordham, o já falecido Francis A. Canavan, S.J. (É também o nome de uma palestra que dou há anos no Summit Ministries, de onde estou a escrever esta coluna).

O padre Canavan considera que o jogo dos pluralistas é uma forma de “bait and switch”. O pluralista promete neutralidade em troca do seu apoio, mas acaba por dar-lhe algo muito diferente daquilo que prometeu. Obriga-o a aceitar uma série de crenças que, de facto, são contrárias àquilo em que acredita. Com o passar do tempo elas tornam-se parte da infraestrutura inquestionável da vida pública e, assim, tornam mais difícil a si e aos seus compatriotas dissidentes, viver de forma consistente com aquilo que acreditam em relação à natureza de uma vida boa.

Para melhor compreender o verdadeiro significado deste processo, substituemos X por algumas das questões morais que têm dividido os cidadãos e sobre as quais o Supremo Tribunal tem tecido considerações.

Consideremos, em primeiro lugar, a questão do aborto. Em Roe v. Wade (1973), o juiz Harry Blackmun opinou que, uma vez que os peritos – entre os quais filósofos, teólogos e médicos – discordam sobre se o feto é ou não uma pessoa, “o judiciário, nesta altura do desenvolvimento do conhecimento humano, não está em posição de especular em relação a isso.”

Apesar disso, ele concedeu noutro ponto da sua opinião que se o Texas (o Estado cuja lei estava a ser desafiada neste caso) conseguisse comprovar que o feto é, de facto, uma pessoa, isso minaria o direito ao aborto porque então o feto estaria protegido pela 14ª Emenda.

Consideremos agora a questão da contracepção. Na decisão do Supremo Tribunal sobre o caso Griswold v. Connecticut (1965), o juiz William O. Douglas anulou o estatuto anti-contraceptivo do Estado de Connecticut, argumentando que a decisão de um casal de usar contraceptivos está constitucionalmente protegido por uma “zona de privacidade” que pode ser inferida através da combinação dos princípios por detrás de várias das emendas à Constituição, e suas implicações.

O casamento, argumentou Douglas, é uma associação pré-política que é mais fundamental que a Declaração de Direitos ou da própria Constituição. Sublinhou a sua decisão chamando atenção para uma série de outras associações que o Tribunal já tinha reconhecido como merecendo a protecção da Constituição, pese embora não sejam mencionados directamente nela.

A liberdade de associação, de educar os filhos como bem entender, de reunião e de pertença a partidos e grupos para poder promover as filosofias e crenças de que partilha, todos estão protegidos no âmbito da Constituição.

Por isso, tendo em conta a compreensão generosa do Tribunal em relação à grande diversidade de pontos de vista igualmente válidos sobre o aborto, bem como a grande variedade de relações cuja integridade o Tribunal salvaguarda de forma tão zelosa, dir-se-ia que aqueles que defendem as posições do Tribunal no que diz respeito ao aborto e ao uso de contraceptivos achariam inconsistente tratar essas mesmas práticas como bens públicos que organizações dissidentes devem ser forçados a fornecer a terceiros.

Estou a falar, claro, do decreto HHS e o seu requisito de que as instituições religiosas e negócios privados (salvo limitadas excepções) devem fornecer contraceptivos e medicamentos abortivos nos planos de saúde dos seus empregados, mesmo quando a organização religiosa ou o dono da empresa privada acreditam que viola a sua consciência cooperar de forma material com a distribuição ou uso de contraceptivos ou medicamentos abortivos.

Eis o jogo dos pluralistas em toda a sua glória. A promessa de liberdades pessoais e corporativas nas questões do aborto e contracepção – como formulado em Roe e Griswold – não passava, pelo menos para os seus defensores mais fiéis, de uma farsa. Afinal, ao que parece, nunca se tratou de respeitar a diversidade e visões contrárias do que constitui uma vida boa enquanto caminhamos para o paraíso pluralista.

Afinal tratava-se de erradicar uma compreensão do bom, do verdadeiro e do belo e substituí-lo por outro. Foi, agora percebêmo-lo, o primeiro de muitos passos numa OPA hostil, que apenas ficará completa quando a Igreja e os seus fiéis forem totalmente banidos da vida pública.


(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 6 de Julho 2012 em http://www.thecatholicthing.org)

Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of Hadley Arkes.

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