Tuesday, 12 June 2012

O que significa, e o que não significa, a reconciliação com a SSPX


por David G. Bonagura, Jr. 
Poucas coisas levam os católicos a esqucer o preceito da caridade mais rapidamente do que uma discussão sobre a Sociedade de São Pio X (SSPX), o grupo tradicionalista de padres e bispos que, devido à sua oposição ao Concílio Vaticano II e consequente turbulência, permanecem fora da estrutura canónica da Igreja.

O Papa Bento XVI, tendo tomado o leme no processo de restaurar a comunhão jurídica da SSPX ao longo do último quarto de século, tornou essa reconciliação uma prioridade do seu pontificado. Tudo indica que um anúncio formal de reconhecimento está próximo.

A reconciliação com a SSPX ficará entre as grandes conquistas do pontificado de Bento XVI, com implicações duradouras para a Igreja. Mas na histeria que certamente se seguirá ao anúncio formal, aquilo que é verdadeiramente importante ficará perdido por entre as polítiquices partidárias internas da Igreja.

À direita, alguns católicos tradicionalistas rejubilarão, declarando vitória: Roma modernista voltou a si e apoia o que resta da fé. À esquerda, onde se prefere sentar à mesma mesa que Lutero a partilhar uma Igreja com o líder da SSPX, Bernard Fellay, alguns acusarão Bento XVI de minar, ou desfazer, as reformas do Vaticano II. Ambas as perspectivas são falsas.

Antes de vermos o que significa a reconciliação, vale a pena analisar o que não significa.

Em primeiro lugar, Bento XVI não está a regredir em relação ao Vaticano II. Todo o seu pontificado está dedicado a avançar o Concílio (ver mais abaixo). De facto, como expliquei na altura em que o Papa revogou a excomunhão dos quatro bispos da SSPX, ele está a bater os progressistas no seu próprio terreno: está a fazer gestos concretos no sentido de reunir todos os cristãos, tal como o Vaticano pede no Unitatis Redintegratio (o que é duplamente irónico, pois é um dos documentos que a SSPX contesta). O que está a ser desfeito não é o Concílio em si, mas a ideologia que se agarra a um falso conceito de “espírito do concílio”.

Depois, alguns comentadores mais espertos poderão usar o trunfo do género: o Vaticano retrógrado está a aceitar um grupo de bispos e padres conservadores ao mesmo tempo que ataca as freiras indefesas da Leadership Conference of Women Religious (LCWR). Mas essa dicotomia ou jogo de poder misógeno não existe: Bento XVI está a trabalhar para trazer ambos os grupos afastados – a SSPX de iure, a LCWR de facto – de volta à plena comunhão com a Igreja; a abordagem diferente deve-se à diferença de estatuto de cada grupo.

Por fim, a reconciliação com a SSPX não significa a “vitória da Tradição” no sentido em que a Sociedade e os seus apoiantes a entendem: que o culto e a piedade tradicionais vão ser restaurados como sendo a expressão mais legítima da fé. A teologia e a prática católica tradicional já está a passar por um pequeno renascimento revitalizador um pouco por todo o mundo em comunidades religiosas, paróquias e escolas que se mantém leais ao Papa. Uma SSPX reconciliada trará mais crescimento e vigor a este movimento, mas não o criará de novo nem lhe dará um estatuto mais elevado.

Um jovem Marcel Lefebvre
Então o que significa a reconciliação com a SSPX?

Primeiro, o “Preâmbulo Doutrinário”, a declaração ainda secreta das crenças doutrinárias que a SSPX deve aceitar para ser reconciliada, deverá declarar – na forma mais oficial e autoritária até hoje – que todo o Vaticano II deve ser lido e interpretado à luz da Tradição. Se assim for, então não só moldará os futuros discursos da Sociedade sobre o Vaticano II, mas também o discurso de quem advoga o “espírito do Concílio”.

Os arautos da “hermenêutica de descontinuidade e rupture” não vão simplesmente baixar os braços, mas uma tal declaração retirará a pouca credibilidade que ainda lhes resta entre os leitores e alunos.

Segundo, como já foi referido, uma SSPX em comunhão plena como o Papa trará novo vigor para a prática e culto católico o que, por sua vez, ajudará a restaurar a identidade católica em locais onde já desmoronou. Ao que parece a prática religiosa nas capelas da Sociedade em França tem crescido à medida que as Igrejas regulares se têm esvaziado quase por completo.

Com as graças que decorrem da plena comunhão com Roma – e sem o tom que tem caracterizado muita da retórica contra Roma por parte da Sociedade – a SSPX poderá tornar-se uma peça chave na Nova Evangelização e a Igreja no seu todo deve valorizar o seu contributo.

Terceiro, a reconciliação diz muito sobre a natureza do pontificado de Bento XVI e o carácter dele enquanto homem. Desde o seu almoço em Castel Gandolfo com o bispo Fellay no primeiro Verão do seu pontificado até ao levantamento das excomunhões em 2009, passando pelas discussões formais com os teólogos da SSPX na Congregação para a Doutrina da Fé, e apesar de muitas vozes contrárias na Cúria, Bento XVI está a tornar a reconciliação uma realidade, ao seu ritmo e nas suas condições.

Como escreveu o próprio Fellay, “o Papa disse-nos que a preocupação por remediar a nossa situação, para o bem da Igreja, estava no coração do seu pontificado. Disse também que tinha noção de que tanto para ele como para nós teria sido mais fácil manter o status quo”. Bento XVI, como verdadeiro pastor, está mais que disposto a dar a sua própria vida e a sua reputação pelo bem do seu rebanho.

Permanecem uma série de questões sobre o estatuto da Sociedade; a sua organização futura, a possibilidade de haver uma cisão, com um grupo que rejeita a reconciliação. Mas quando chegar a altura será o próprio Bento XVI, não as facções da Igreja em guerra nem os media seculares, que providenciará a lente interpretativa para este incrível feito.


David G. Bonagura, Jr. é professor assistente de Teologia no Seminário da Imaculada Conceição, em Huntington, Nova Iorque.

(Publicado pela primeira vez no Domingo, 10 de Junho de 2012 em http://www.thecatholicthing.org)

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1 comment:

  1. Por um lado, a regularização da FSSPX irá começar uma nova "batalha" dentro da Igreja. As verdadeiras dificuldades irão começar uma vez que a FSSPX esteja "reconciliada".
    Mas sim, acredito que a reconciliação com a FSSPX trará um novo vigor à Igreja latina, assim como a liberalização do rito tradicional e o Ordinariato Anglicano.

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