Monday, 2 April 2012

“Pessoas em potência” na discussão sobre “Aborto pós-parto”

Francis J. Beckwith  
Como os leitores de The Catholic Thing bem sabem, o Journal of Medical Ethics, um periódico para o qual já contribuí, publicou recentemente um artigo controverso, “Aborto pós-parto: Porque é que o bebé há-de viver?”, escrito pelos filósofos Alberto Giubilini e Francesca Minerva.

Ao longo do artigo os autores referem-se a fetos e a recém-nascidos como “pessoas em potência”, um termo que certamente parecerá um estranho neologismo para aqueles que não estão habituados às lides da filosofia contemporânea. É, contudo, um termo que tem sido usado na literatura de bioética há mais de quatro décadas.

Segundo Giubilini e Minerva, “fetos e recém-nascidos são pessoas em potência porque podem desenvolver, graças aos seus mecanismos biológicos, aquelas propriedades que as tornarão ‘pessoas’ no sentido de ‘sujeitos com um direito moral à vida’: isto é, o ponto a partir do qual poderão traçar objectivos e apreciar as suas próprias vidas.”

É por isto que, argumentam os autores, é moralmente permissível matar tanto fetos como recém-nascidos. São apenas pessoas em potência, não são pessoas de verdade.

Os autores “definem ‘pessoa’ como significando alguém que é capaz de atribuir à sua própria existência (pelo menos) algum valor, ao ponto de que a privação da mesma seria entendida como uma perda para ela.” Daí, um feto não é uma pessoa porque não tem maturidade suficiente para apreciar os seus próprios interesses. Mas essa é a própria definição de feto. Logo, um feto não é uma pessoa, porque é um feto. É um argumento sem brechas pela simples razão de que é perfeitamente circular.

Apesar de “pessoa em potência” ser uma etiqueta comum no mundo académico da bioética, os dois termos “potencia” e “pessoa” têm um longo e rico historial que poucos no mundo da bioética, incluindo Giubilini e Minerva, parecem compreender.

Por exemplo, o carvalho no meu jardim é uma secretária em potência, ou seja, um carpinteiro pode construir uma secretária com as partes que em tempos foram o meu carvalho. Quando o carvalho é morto, antes de o carpinteiro começar a trabalhar nele, a sua existência cessa em termos literais. Não há nada na natureza do carvalho que o ordena a ser uma secretária, nem quando era bolota nem quando foi ordenado a tornar-se uma versão madura de si mesmo.

Por isso quando os autores dizem que um feto é uma “pessoa em potência” não se estão a referir a este tipo de potencial, porque consideram que o feto continua a ser o mesmo ser, antes e depois de se “tornar” pessoa.

Talvez por potência queiram dizer no sentido em que eu sou um “potencial membro do corpo docente da faculdade de Amhurst”. Mas isso não me parece correcto, porque esse potencial é o de adquirir uma propriedade acidental que não é essencial à minha natureza. Isto é, se eu permanecer em Baylor, continuo a ser eu. Quero eu pese 87 ou 93 quilos, seja um canalizador, um professor, um padeiro ou um artesão de candelabros, não afecta aquilo que eu sou enquanto ser.


Mas como já vimos, Giubilini e Minerva afirmam que todos os fetos têm a mesma natureza, “porque podem podem desenvolver, graças aos seus mecanismos biológicos, aquelas propriedades que as tornarão ‘pessoas.’”

Em conclusão, segundo Giubilini e Minerva, nós somos o mesmo ser que eramos enquanto fetos e o nosso potencial para exercer certos poderes pessoais – incluindo o potencial de exercer as capacidades de “traçar objectivos e apreciar a [nossa] própria vida”, não são acidentais à nossa natureza. Logo, o feto não é uma pessoa em potência no sentido em que se “torna” outra coisa – como o carvalho se “torna” uma secretária. E não é uma pessoa em potência no sentido em que a aquisição de poderes pessoais é acidental à sua natureza – como quando o meu peso passa de 93 para 87 quilos.

O que significa que a capacidade de exercer estes poderes pessoais é essencial à natureza do feto, uma natureza que retém antes e depois de se tornar capaz de os exercer.

Nesse caso, porém, o feto não é uma pessoa em potência. É aquilo que é: um ser com uma natureza pessoal e, por essa razão, tem propriedades essenciais que incluem a capacidade para a expressão pessoa, pensamento racional e acção moral. A maturação destas capacidades são aperfeiçoamentos da sua natureza e por isso, contrariamente ao que Giubilini e Minerva defendem, o feto humano pode ser injustiçado ainda antes de ter consciência de que o foi.

Imagine, por exemplo, que um cientista cria vários embriões através de fertilização in vitro. Depois implanta os embriões em úteros artificiais e, enquanto se desenvolvem, obstrui os seus tubos neurais de maneira a que nunca adquirem funções cerebrais superiores e por isso nunca se podem tornar aquilo que Giubilini e Minerva consideram “pessoas”. O médico age desta forma para poder colher os órgãos destes fetos.

Imagine que, depois de saber desta experiência terrível, um grupo de radicais pró-vida entra no laboratório do cientista e transporta todos os úteros artificiais, com os embriões intactos, para outro laboratório, localizado nas caves do Vaticano. Ali, vários cientistas pró-vida injectam os embriões com medicamentos que restauram os seus tubos neurais, permitindo que os seus cérebros se desenvolvam normalmente. Depois de nove meses os ex-fetos, agora recém-nascidos, são adoptados por famílias.

Se considera que aquilo que os cientistas fizeram foi não só bom, mas um acto que justiça requer, então resulta que acredita que os embriões são seres de natureza pessoal, ordenados para certas perfeições que, quando obstruídas, resultam numa injustiça. Mas nesse caso os embriões não são pessoas em potência, são só pessoas com potencial.

(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 16 de Março 2012 em www.thecatholicthing.org)  

Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É um dos quatro principais autores de Journeys of Faith: Evangelicalism, Eastern Orthodoxy, Catholicism and Anglicanism (Zondervan, 2012), a ser publicado brevemente.

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

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