Monday, 9 January 2012

Anglicanos e ordinariatos – Perguntas e respostas

Em Novembro de 2009 Bento XVI publicou a constituição apostólica Anglicanorum Coetibus que abria a possibilidade de criar ordinariatos pessoais para receber no seio da Igreja Católica clero e leigos anglicanos que quisessem entrar em comunhão com Roma sem perder o seu património litúrgico.

Quatro anos mais tarde já existem três ordinariatos pessoais, uma em Inglaterra, outra nos EUA e uma terceira na Austrália.

Aqui vamos tentar responder a algumas das perguntas mais frequentes que podem surgir à volta de um processo que é, de qualquer ponto de vista, muito complicado… Se tiverem mais dúvidas não deixem de as colocar que este post pode-se ir actualizando para servir de referência ao longo do tempo.



O que é um ordinariato pessoal?
A Igreja aceita padres casados?
De que falamos quando referimos “património litúrgico e espiritual” anglicano?
Porque é que alguns anglicanos querem entrar em comunhão com Roma?
Quantos ordinariatos já existem?
Há mais por criar?
Só os anglicanos podem aderir?
O que é a TAC?


O que é um ordinariato pessoal?
Um ordinariato pessoal é como uma diocese sem limites geográficos, um pouco como a diocese para as forças armadas, que existe em Portugal e noutros países. Ou seja, duas comunidades em cidades em pontas opostas do país podem estar sujeitas ao ordinariato pessoal, por virtude de, neste caso, serem formadas por ex-anglicanos, e não às suas dioceses locais.
O líder de um ordinariato é o ordinário e não tem de ser um bispo. Nos três casos criados até agora os ordinários não são bispos mas sim ex-bispos anglicanos que foram ordenados sacerdotes na Igreja Católica e que não podem ser ordenados bispos por serem casados.

A Igreja aceita padres casados?
Aceita, em casos excepcionais. Historicamente uma destas excepções tem sido para clero de outras confissões cristãs que já é casado quando pede para entrar em comunhão com Roma. O único caso que houve em Portugal de um padre católico casado e a exercer o seu ministério, o padre Saul que morreu há cerca de um ano e meio, era um caso destes.
Contudo, a Igreja nunca reconheceu bispos casados e por isso os bispos que entram para a Igreja Católica são ordenados sacerdotes e não bispos. Os cinco bispos que aderiram à proposta do Papa em Inglaterra eram casados e por isso foram todos ordenados sacerdotes.
Contudo a constituição apostólica Anglicanorum Coetibus permite que usem algumas das suas regalias episcopais, como por exemplo o brasão de armas e até, pelo menos para o ordinário, um assento na Conferência Episcopal do pais.

De que falamos quando referimos “património litúrgico e espiritual” anglicano?
É preciso compreender que a Igreja Anglicana é mais uma federação de diferentes movimentos e igrejas do que uma igreja uniforme. No Reino Unido, por exemplo, existem alas que são muito conservadoras a nível litúrgico, e cujas celebrações são bastante mais elaboradas e ricas que a maioria das missas católicas a que estaremos habituados. Estes anglicanos são conhecidos muitas vezes como anglo-católicos.
Por outro lado existem alas muito liberais, mais evangélicas, cujas liturgias parecem mais encontros protestantes do que outra coisa.
A maioria dos interessados em aderir ao ordinariato vêm da tradição anglo-católica e podemos concluir que o “património litúrgico” é o deles.
Para além da parte litúrgica os anglicanos têm uma rica tradição musical e ainda algumas orações distintas, reunidas no Common Book of Prayer, que é o livro central ao culto anglicano.
Apesar do ordinariato pessoal em Inglaterra já ter sido criado há um ano ainda não foi aprovado um missal próprio.

Porque é que alguns anglicanos querem entrar em comunhão com Roma?
Ao longo das últimas décadas a Comunhão Anglicana, sobretudo nos países ocidentais, tem-se tornado fortemente liberal. Nos anos 70 os ramos da América do Norte começaram a ordenar mulheres, mais tarde o Reino Unido também e a prática é hoje bastante consensual em toda a comunhão, embora tenha levado a algumas dissensões. Mais tarde algumas das Igrejas autónomas começaram a ordenar mulheres para o episcopado. Isto levou a muito mal-estar entre comunidades conservadoras que recusam a legitimidade da ordenação de mulheres.
No Reino Unido ainda não há mulheres bispo mas caminha-se para isso a passos largos.
A “gota de água”, por assim dizer, tem sido a ordenação de bispos (e “bispas”) homossexuais, sobretudo nos EUA.
É errado, contudo, dizer que os anglicanos que agora entram para a Igreja Católica estão a “fugir” de bispas e de homossexuais. Estes são apenas aspectos práticos de grandes diferenças teológicas, com o ramo liberal a negar abertamente algumas doutrinas ancestrais como por exemplo o nascimento virginal, a ressurreição etc.
Para muitos anglicanos que, ao longo dos anos, têm mantido alguma esperança numa eventual união entre a Igreja Anglicana e a Igreja Católica, os mais recentes desenvolvimentos apenas provam que a sua igreja não é uma verdadeira igreja nem se pode reclamar como sendo católica, como faz, daí que queiram “voltar” a Roma, como explicam.

Quantos ordinariatos já existem?
Existem três. O primeiro foi formado há cerca de um ano em Inglaterra e chama-se Nossa Senhora de Walsingham. Conta com seis ex-bispos, cinco dos quais já foram ordenados sacerdotes, cerca de 60 padres que já foram na maioria ordenados na Igreja Católica, e mais ou menos mil fiéis. Esta foi a “primeira vaga” de membros. Fala-se na existência de uma “segunda vaga”, maior, que estará à espera para ver como correm as coisas antes de aderir.
Este ano foi criado o ordinariato de São Pedro da Cadeira, nos EUA. É presidida por um ex-bispo espiscopaliano e, para além de algumas dezenas e fiéis ex-anglicanos conta também com pelo menos uma comunidade que veio da tradição luterana.
Em Junho de 2012 foi criado o Ordinariato Pessoal do Cruzeiro do Sul, para ex-anglicanos da Austrália.

Qualquer católico pode entrar para o ordinariato?
Não. Originalmente os ordinariatos eram exclusivos para pessoas que vinham da tradição anglicana. Contudo, em Maio de 2013 o Papa Francisco fez uma alteração ao texto do Anglicanorum Coetibus, especificando que pessoas baptizadas na Igreja Católica, mas que não tenham completado os ritos de iniciação cristã, podem aderir ao ordinariato caso esse tenha sido o veículo para a sua reaproximação à Igreja.
A emenda foi feita por forma a dar aos ordinariatos mais autonomia e um papel mais alargado no campo da Nova Evangelização. Contudo, um católico praticante adulto, que tenha feito o seu percurso no seio da Igreja Católica desde sempre, não pode aderir ao ordinariato simplesmente porque prefere o estilo litúrgico, por exemplo. Aqui fala-se em adesão formal, uma vez que qualquer católico pode frequentar as celebrações litúrgicas dos ordinariatos.

Só os anglicanos podem aderir?
Os ordinariatos foram criados especificamente para receber fiéis da Igreja Anglicana, embora haja pelo menos um caso de uma paróquia de tradição luterana nos EUA que tenha aderido ao ordinariato de São Pedro da Cadeira.
Contudo, a situação complica-se quando pensamos quem são os anglicanos. É que para além da Comunhão Anglicana, que tem como primus inter pares o Arcebispo de Cantuária, e com cerca de 200 milhões de fiéis é a terceira maior igreja cristã, existem outras comunhões ou igreja que se dizem anglicanas mas que são dissidentes da Comunhão Anglicana tradicional. É o caso, por exemplo da Traditional Anglican Communion (TAC), que está presente em vários países e reclama ter cerca de 200 mil membros.

O que é a TAC?
A Traditional Anglican Communion (TAC) é uma comunhão de igrejas de tradição anglicana que se separou da Comunhão Anglicana em protesto contra a tendência liberal desta. Reclama ter cerca de 200 mil membros em todo o mundo.
Em 2007 os bispos desta Igreja assinaram um exemplar do Catecismo da Igreja Católica e anunciaram a sua vontade de aderir em massa à Igreja Católica, caso pudessem ser aceites como uma igreja autónoma, ou numa estrutura similar. Muitos vêem este processo como o motor de arranque da constituição apostólica que acabou por ser publicada em 2009.
Contudo o processo tem sido difícil. O Vaticano tem sido mais rápido a lidar com casos de clero, fiéis e paróquias que vêm directamente da Igreja Anglicana.
Internamente a TAC tem tido algumas complicações. O seu primaz, o Arcebispo John Hepworth é um ex-padre católico que deixou o catolicismo e se tornou anglicano, mais tarde deixou o anglicanismo para se juntar ao TAC. Pelo meio casou, divorciou-se e recasou.
O facto de ser divorciado e recasado e ainda o facto de ser originalmente católico impedem-no, em princípio, de ser aceite como sacerdote activo na Igreja Católica.
Mais recentemente Hepworth veio a público dizer que enquanto seminarista e padre na Igreja Católica tinha sido abusado sexualmente por outros padres e que tinha sido em parte por isso que tinha saído da Igreja. Contudo, um dos padres que acusava de o ter violado, e que ainda é vivo, nega a sua versão dos acontecimentos e, mais recentemente, um advogado veio dizer que toda a história carecia de bases, dando um grave golpe na sua credibilidade.
Em Dezembro, e supostamente devido a “consideráveis dissensões no seio do TAC”, Hepworth anunciou que iria resignar ao cargo de primaz daquela Igreja a partir de Maio de 2012.
Entretanto o ramo dos EUA da TAC, que tinha anunciado em 2010 que queria aderir a um futuro ordinariato retractou-se e disse que afinal não querem aceitar. Apenas um dos oito bispos mantém a sua intenção de aderir.
Nos outros países da TAC, ao que parece, mantém-se a adesão de aderir a ordinariatos que venham a ser criados nos seus países.

Simples, não é?

[Actualizado em Maio de 2013]

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