Thursday, 8 September 2022

Sinodalidades

O processo sinodal em Portugal tem gerado muito debate e controvérsia. Não estamos sós. Penso que em todo o mundo este processo tem gerado alguma confusão e diferenças de opinião. As pessoas de tendência mais conservadora tendem a ver o processo sinodal como um cavalo de Tróia para provocar mudanças nos ensinamentos da Igreja e as pessoas de tendência progressista esperam ver atendidas muitas das suas reivindicações. No meio de tudo isto, prepara-se um cenário perfeito para que todos se desiludam, uns porque o Sínodo não vai suficientemente longe, outros porque não vai longe de mais.

Tenho evitado escrever sobre este assunto, por uma série de razões, mas achei que nesta altura faria sentido escrever um curto texto a dar conta do estado actual do debate em Portugal, e apontando para os diferentes recursos que já existem.

Em primeiro lugar, temos o relatório do processo sinodal em Portugal, que pode ser lido aqui. O relatório é suposto ser um resumo dos diferentes relatórios diocesanos e foi elaborado por uma equipa de trabalho composta por sete pessoas, entre leigos e religiosos, nomeadamente Carmo Rodeia, Diretora do Departamento de Comunicação do Santuário de Fátima; Anabela Sousa, Diretora do Departamento de Comunicação da Diocese de Setúbal; Isabel Figueiredo, Diretora do Secretariado Nacional das Comunicações Sociais da Igreja; Paulo Rocha, Diretor da Agência Ecclesia; Pedro Gil, Diretor do Departamento de Comunicação do Opus Dei; Padre Eduardo Duque, Diretor Nacional da Pastoral do Ensino Superior e Padre Manuel Barbosa, Secretário da CEP.

Diga-se o que se disser sobre o relatório, penso que dificilmente se pode fazer a acusação de este ser um elenco demasiado progressista ou demasiado conservador, muito menos de as pessoas envolvidas não serem sérias.

Há uma nota importante sobre este relatório que deve ser tido em conta. Ele não é o resumo apenas dos relatórios das 21 dioceses portuguesas, mas inclui ainda vários outros documentos que foram enviados por grupos de leigos e religiosos que pelas mais variadas razões não se enquadravam, ou não se sentiram enquadradas nos processos diocesanos. [Esta informação foi-me simpaticamente transmitida no dia 12/9 por um membro da equipa, e acrescentada ao texto no mesmo dia.]

Mal saiu o relatório surgiram críticas de que este não era verdadeiramente representativo da Igreja em Portugal. A primeira reacção foi na forma de uma carta aberta, que pode ser lida aqui. Seguem-se os nomes dos primeiros signatários desta carta, que pode ser assinada por outros através do link acima. Padre Gonçalo Portocarrero de Almada, cronista do Observador e da Voz da Verdade; Mafalda Miranda Barbosa, Professora da Faculdade de Direito de Coimbra; Bernardo Trindade Barros, Advogado e Professor universitário; Gonçalo Figueiredo de Barros, Jurista e Empresário; Luís do Casal Ribeiro Cabral, Médico; Cónego Armando Duarte, Pároco dos Mártires, Lisboa; António Bagão Félix, Economista e Professor universitário; Pedro Borges de Lemos, Advogado; João Paulo Malta, Médico; Aida Franco Nogueira, Advogada; Paulo Otero, Professor Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Padre Mário Rui Leal Pedras, Pároco de São Nicolau, Lisboa.

Pouco depois de ter sido publicada esta carta, o Padre Peter Stilwell, ex-diretor da Faculdade de Teologia da Católica, e ex-vice-reitor da mesma universidade, escreveu um artigo publicado no Sete Margens em que revela que também ficou com dúvidas e frustrações em relação ao relatório, mas depois explica porque razão acha a Carta Aberta premeditada e desnecessária. É um artigo interessante que também vale a pena ler. (Full disclosure: o Padre Peter é meu tio e padrinho).

Entretanto surgiu uma outra carta, desta vez assinada por jovens, que também contesta o relatório, nomeadamente o seu “pendor negativista”. Pode ser lida e assinada aqui.

E, finalmente, temos uma outra proposta que me pareceu interessante por ser uma abordagem crítica, mas ao mesmo tempo construtiva. O Padre Duarte da Cunha e o Padre Ricardo Figueiredo juntaram-se, leram todos os relatórios diocesanos e elaboraram um relatório alternativo que consideram ser mais fiel aos textos das diferentes dioceses. Pode ser lido aqui. Contudo, deve ser tido em conta que este relatório alternativo não contempla os muitos outros documentos extra-diocesanos a que a equipa da CEP teve acesso, pelo que naturalmente existirão diferenças significativas.

Penso que estes são recursos suficientes para que os interessados se possam inteirar do tema.

Gostaria aqui de fazer apenas um comentário geral, evitando pronunciar-me sobre os conteúdos dos diferentes documentos.

Em primeiro lugar, devo dizer que apesar de estes documentos representarem alguma divisão na Igreja, o facto de existirem, e de as pessoas se sentirem motivadas para se pronunciar e contribuir, é um sinal positivo. Estamos perante pessoas que não concordam umas com as outras, mas penso que todos os textos são respeitosos e motivados pela vontade de contribuir para o bem da Igreja Portuguesa, no seio da Igreja Universal. O que é isso se não sinodalidade?

Outra coisa que noto, contudo, é um certo centralismo dos textos, que radicam todos da realidade de grandes centros urbanos, nomeadamente Lisboa. Obviamente não conheço todos os subscritores das duas cartas abertas, mas na primeira sei que todos são de Lisboa, ou vivem em Lisboa, excepto uma que vive e trabalha em Coimbra. Obviamente isto em nada invalida os seus argumentos, mas é preciso ter em conta que o relatório é um resumo de todos os relatórios diocesanos, e reflecte por isso a vivência de pessoas desde o Funchal até Bragança, e dificilmente essas vivências, preocupações e propostas se encaixam na realidade conhecida por pessoas que fazem a sua vida eclesial na capital e numa das maiores cidades de Portugal.

O mesmo se aplica, em menor dimensão, à carta aberta dos jovens. Aí temos subscritores de várias dioceses, nomeadamente: Aveiro, Coimbra, Lisboa, Porto, Portalegre-Castelo Branco, Évora, Leiria-Fátima, Funchal, Braga e Viana do Castelo. Nota-se um esforço louvável de inclusividade e maior representatividade, mas ainda assim são apenas metade das dioceses territoriais de Portugal.

Tudo isto torna ainda mais interessante o “relatório alternativo” apresentado pelos padres Duarte e Ricardo, pois esse parte directamente dos textos dos relatórios diocesanos.

Por fim, é possível que neste resumo me tenha esquecido de algum outro recurso que ajude a contribuir para esta discussão/processo sinodal. Se sim, agradeço que me informem, que terei todo o gosto em acrescentar.


Actualização: No dia 7 de Novembro acrescentei o texto de Leopoldina Reis Simões

Actualização: No dia 13 a CEP respondeu a críticas sobre o relatório.

Actualização: No dia 12 de Setembro acrescentei mais informação aos pontos sobre o relatório da CEP e o relatório alternativo do Pe Duarte da Cunha. 

Outros textos

Aqui outro texto de opinião que vale a pena ler, de José Maria Seabra Duque

Relatório sinodal: desafio a discernir e praticar juntosa renovação eclesial - Pe. Jorge Guarda

O que faremos deste texto? - Jorge Wemans

Conservadores e progressistas na fronteira do diálogo - Sofia Távora

O Relatório de Portugal, o caminho da sinodalidade - Maria Carlos Ramos

Ainda o Sínodo - Pe. Alexandre Palma

Sínodo sobre sinodalidade: Ninguém disse que seria fácil - Leopoldina Reis Simões



4 comments:

  1. Estamos no mau caminho, portanto...

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  2. Mais um:
    https://setemargens.com/irrelevancia-clericalismo-e-incapacidade-de-escutar/

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  3. Obrigado, mas este artigo diz respeito só ao relatório diocesano de Lisboa, e é de Maio de 2022. Acho que não se enquadra. Filipe

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  4. https://peticaopublica.com/psign.aspx?pi=PT113521

    Tenho dúvidas de que as mais de 1300 pessoas que subscreveram a carta aberta sejam todas de Lisboa...
    De qualquer forma, toda e qualquer iniciativa, mormente estas que parecem destoar do establishment de tendência progressista, pode também ser o reflexo das pessoas que "pelas mais variadas razões não se enquadravam, ou não se sentiram enquadradas nos processos diocesanos" ou, ainda, para usar a expressão do próprio relatório sinodal: do grupo de pessoas que se "mostrou pouco confiante com o resultado do processo sinodal por acreditar que não serão implementadas mudanças na Igreja, ao ritmo e visibilidade que anseiam". A diferença é que as mudanças e reformas que anseiam, não são as de uma democratização e naturalização da Igreja manifestada no relatório sinodal, mas de um regresso à fé integral, à doutrina tradicional, a Nosso Senhor Jesus Cristo.

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