Wednesday, 26 June 2013

Um Papa como nós...

Mary Ann Glendon, a leiga da confiança do Papa


Quando estiverem com falta de auto-estima anime-se! O Papa diz que é exactamente igual a nós…


O Porto agradece a dedicação de D. Manuel Clemente, que se prepara para entrar em Lisboa como Patriarca.

Hoje temos novo artigo de The Catholic Thing, especialmente para todos os que, como eu, ficam frustrados por confessar sempre os mesmos pecados. Como teaser, fiquem com este diálogo imperdível:


O homem da CTS esperou para que a gravidade da acusação tivesse o seu devido efeito. Depois respondeu, solenemente: “Minha senhora, não fazia ideia que os padres estavam a dar penitências tão severas hoje em dia”.

Sobre “Penitências Severas”

James V. Schall S.J.
O autor australiano Frank Sheed, fundador, juntamente com a sua mulher Maisie Ward, da famosa editora católica Sheed & Ward, adorava falar das suas experiências com a Catholic Truth Society (CTS). Ele e os amigos apresentavam e debatiam questões de fé com quem quisesse aparecer na esquina de Hyde Park, ou outros lugares famosos de debate e discussão em Londres. Tratava-se de um jogo de verdade e de perspicácia. Recentemente encontrei um ensaio de Sheed chamado “The Church and I”, no qual ele recorda estas experiências de controvérsia na via pública (Catholic Digest, Janeiro 1975).

Certo dia um dos seus colegas foi insultado e desafiado por uma mulher barulhenta e bastante pouco atraente. Era conhecida pelos seus pontos de vista sobre a Igreja, tudo menos positivos. O homem da CTS falava sobre confissão quando a senhora o interrompeu, em tom jocoso: “Oh, eu conheço-vos, católicos. Os vossos rapazes vão se confessar à Igreja que fica em frente à minha casa. A seguir vêm ter comigo para fazer amor”. Era preciso lidar com esta mulher de forma cuidadosa.

O homem da CTS esperou para que a gravidade da acusação tivesse o seu devido efeito. Depois respondeu, solenemente: “Minha senhora, não fazia ideia que os padres estavam a dar penitências tão severas hoje em dia”. Há que louvar o recurso à destreza e ao humor na teologia!

É preciso conhecer bem a prática e o ensinamento católico para apreciar o humor nesta resposta. Muitas pessoas não acreditam no pecado e disputam se, na prática, existe tal realidade. No entanto não deixam de acusar os católicos de hipocrisia porque alguns deles confessam os seus pecados, cumprem as penitências e depois, apesar das admoestações, voltam a cometê-los.

O próprio Cristo foi questionado sobre a quantidade de vezes que se deve perdoar ao pecador. “Até setenta vezes sete”, disse, em Mateus 18,22. O Senhor parece ter ficado menos surpreendido com a existência de pecadores insistentes do que nós. Ele percebeu, como Aristóteles, a dificuldade que temos em ultrapassar os nossos vícios.

Cristo disse várias vezes que os rectos não precisam de arrependimento. Ele veio salvar os pecadores, cuja existência parecia ser uma evidência. A salvação dos pecadores pressupõe logicamente: a) a existência do pecado (ou, melhor, que não fomos capazes de fazer o bem quando o podíamos ter feito); e b) a existência de algum meio pelo qual esses pecados podem ser reconhecidos e perdoados, nomeadamente uma “penitência”, seguida de reconhecimento de culpa pelo sucedido por parte do pecador. Mais, o pecado não é apenas uma rejeição humana e desordenada de um padrão objectivo do bem, carrega consigo a noção de que todos os pecados são pessoais e que tocam na verdadeira essência do pecador. Esta realidade explica porque razão nem os homens nem os anjos podem “perdoar” os pecados, mas apenas Deus.

A desordem do pecado é algo que atinge até a divindade. Jesus escandalizou os escribas e os fariseus ao afirmar que tinha o poder de perdoar os pecados. Eles bem sabiam que ele estava a reclamar para si um poder divino, que ele provou possuir implicitamente através dos milagres que fazia nestas ocasiões.


Na verdade, as “penitências severas” serviam para mostrar que o penitente estava consciente da desordem causada pelos seus pecados. Era tudo o que se podia fazer para restaurar os danos causados à ordem moral. Platão já tinha dito, e com razão, que por essa mesma razão devíamos desejar o castigo.

A ausência de penitência, severa ou outra, implica, no meu entender, um mundo em que nada do que fazemos importa realmente. Isto é precisamente o contrário do mundo que Deus criou. Neste mundo a sabedoria e o pecado podem existir lado a lado. Porque quando a Palavra foi feita carne o pecado deixou de ter a última palavra.

Será por isso que lemos nos Evangelhos que há mais alegria no Céu por um penitente do que por 99 justos que não precisam de “arrependimento?” (Lucas, 15,7)


Nota: Por decisão minha, retirei os primeiros dois parágrafos deste artigo, pois para além de complexos não encontrei neles grande ligação ao resto do texto. Contudo, para que não falte nada aos nossos leitores, aqui ficam os dois parágrafos completos.

Filipe d’Avillez

Na audiência geral de 17 de Outubro de 2012 o Papa Bento XVI disse que muitos problemas são causados pela compreensão incorrecta ou incompleta de palavras precisas e sentidos de doutrina, em particular do Credo. Pensamos que, desde que haja boas intenções, não precisamos de ser demasiado precisos sobre o que ensinamos. Não é verdade que devemos a nossa obediência a uma “Pessoa” e não a verdades abstractas? É verdade, desde que percebamos que a verdade consiste numa pessoa afirmar, cuidadosamente, aquilo que é verdade e a negar aquilo que não é.

A precisão do discurso e da definição estão na base da nossa liberdade na lei. Cristo, como explicou Peter Kreeft no seu livro “Philosophy of Jesus”, apresentou-se como um orador e pensador preciso. O termo “a Palavra fez-se carne” carrega consigo uma longa história de pensamentos confusos, que tiveram como efeito prático muitas coisas indesejáveis no nosso tempo. Dizer “Cristo, enquanto pessoa, é a Verdade”, não nos livra de ter de falar em termos precisos sobre quem e o que é que Ele é. Nem todas as palavras têm o mesmo sentido.


James V. Schall, S.J., é professor na Universidade de Georgetown e um dos autores católicos mais prolíficos da América. O seu mais recente livro chama-se The Mind That Is Catholic.

(Publicado pela primeira vez na Terça-feira, 25 de Junho 2013 em The Catholic Thing)

© 2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Tuesday, 25 June 2013

Bispo coragem na Sicília e pálio para Patriarca

O bispo que não gosta de padrinhos

Outro arcebispo, o de Évora, presidiu ontem à missa inaugural do novo mosteiro das monjas de Belém, em Coruche. A reportagem é da Aura Miguel.

O prémio coragem vai para o bispo Antonino Raspanti, de Acireale, na Sicília, que proibiu hoje os mafiosos condenados e não arrependidos de receberem funerais católicos na sua diocese.

O governador islamista com ligações a um grupo terrorista, no Egipto, demitiu-se. É uma derrota para o Presidente Morsi, que o tinha nomeado.

Parabéns à fundação Ajuda à Igreja que Sofre, que conseguiu, apesar da crise, financiar mais projectos e ajudar mais pessoas pelo mundo em 2012.

Por fim, a preocupação dos bispos angolanos com a seca no país que ameaça directamente 800 mil pessoas.

Monday, 24 June 2013

Friday, 21 June 2013

Polícia fica com Harleys papais

Harleys oferecidas à polícia do Vaticano

Lembram-se das Harley Davidson que o Papa recebeu? Afinal foram quatro… dois vão ser leiloados e os outros foram entregues à polícia.

O Papa, que tanto quanto sei não chegou a passear nas motos, criticou novamente o carreirismo dizendo que o melhor candidato a bispo é mesmo aquele que não o queria ser.


E uma dica para quem for à Terra Santa visitar o Muro das Lamentações. Não se aproximem de um segurança, com a mão no bolso, a gritar “Allahu Akbar”.

A pedido de uma leitora, divulgo que no próximo dia 26 vai haver uma reunião nos Jerónimos para quem quiser colaborar com a acção pastoral. Com 500 alunos na catequese é preciso: Informáticos, alguém de línguas e literaturas modernas que escreva muito bem português mas acima de tudo catequistas. Se alguém quiser ajudar, a reunião é às 21h30.

Thursday, 20 June 2013

100 dias de surpresas e loiça partida

O papamóvel ontem, na audiência geral
Assinalamos hoje os 100 dias de pontificado de Francisco. 100 dias de surpresas. Veja aqui a análise da Aura Miguel.


Está a decorrer uma homenagem ao herói português Aristides de Sousa Mendes. Estão cá sobreviventes salvos por ele e seus descendentes.


Ainda ontem, depois de ter sido anunciado como o próximo presidente da CEP, D. Manuel Clemente, explicou que esse organismo não está acima das dioceses.


As Guias britânicas arranjaram uma maneira moderna de atrair mais membros. Despacharam Deus do seu juramento… vejamos se funciona.

Dois avisos: Esta noite há conferência sobre “Obediência”, proferida pelo Pe. Fernando António, SJ na Igreja São João de Deus, em Lisboa, às 21h.

E no sábado, também em Lisboa, há conferência na Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ulrich sobre “Espiritualidade na Infância – o despertar da fé”. É às 10h30, aberto a quem quiser participar.


Wednesday, 19 June 2013

D. Manuel preside à CEP, Lourdes debaixo de água

Lourdes, a dois dias do Verão

Tudo indica que João Paulo II vai ser canonizado ainda este ano, provavelmente em Outubro. A data não é oficial ainda mas o segundo milagre por intercessão do Papa polaco foi aprovado, deixando o caminho aberto.




No Egipto cresce a preocupação com a islamização da sociedade depois de uma professora cristã ter sido condenada a pagar uma multa de mais de 10,500 euros por insultar o Islão. Pelos vistos compensa é ser membro de um grupo terrorista islâmico, como o recém-nomeado governador de Luxor.


As Pequenas Almas Sofredoras III: Brendan Kelly de Great Falls

(Este é o segundo artigo de Austin Ruse sobre este tema. O primeiro encontra-se aqui e o segundo, aqui)

Duas semanas antes de morrer, quando tinha 16 anos, Brendan Kelly foi-se deitar com a ajuda de uma tia. Os tratamentos à base de esteróides, usados para combater o desgaste causado pela quimioterapia, tinham levado este rapaz, já por si grande, a pesar mais de 90 quilos. Portanto era difícil pô-lo na cama, ainda mais por causa das feridas que lhe cobriam todo o corpo.

Todo o seu corpo doía, excepto a cabeça. Por isso a sua tia fez-lhe umas festinhas na fronte e ele disse: “Tia Kelly, estou tão feliz. Tudo o que é preciso para se ser feliz é abrir o coração a Jesus”.

Uma psiquiatra que tinha sido contratada para o ajudar a ultrapassar as principais dificuldades causadas pela leucemia acabou por não cobrar a maioria das consultas. Depois de ele morrer ela disse que falar com Brendan era como falar com Deus. Como é que se pode cobrar uma experiência dessas? Disse também que a morte do rapaz tinha sido a experiência mais difícil da sua vida.

O Brendan tinha uma capacidade sobrenatural de identificar a dor dos outros e de a curar, como um cirurgião. A sua mãe era treinadora da equipa de basebol das raparigas. Uma das miúdas na equipa vinha de uma família disfuncional. Era má e pouco comunicativa. Mas o Brendan não lhe deu descanso, sentava-se com ela, encostava a cabeça no seu ombro, falava com ela, tentava fazê-la rir e falava-lhe de Jesus.

Durou semanas. De início ela odiou. Eventualmente sorriu, depois riu-se e eventualmente transformou-se numa pessoa inteiramente nova, que ainda hoje é. Este género de coisas era uma constante na vida de Brendan.

O Brendan nasceu com trissomia 21. Aos quatro anos foi diagnosticado com leucemia, um cancro com altos índices de remissão, mas cujo tratamento é devastador. Inunda-se o corpo de quimioterapia e depois dá-se doses cavalares de esteróides. Isto pode ser feito intervaladamente durante meses e os efeitos são terríveis.

Após o diagnóstico a sua família candidatou-se à fundação Make-a-Wish: Ele queria conhecer o Papa. De início a fundação não acreditou, até então nenhuma outra criança tinha feito esse pedido. Por isso encontraram-se com ele em privado. Ofereceram-lhe a Disney World, uma viagem de submarino e encontros com estrelas de basebol. Queriam garantir que o encontro com o Papa era o seu desejo e não o dos seus pais. Mas ele insistiu.

Em Setembro de 2001 a família juntou-se a outras em Castel Gandolfo, para se encontrarem com João Paulo II. Quando o Papa entrou, em vez de esperar pela sua vez, o Brendan correu de encontro a ele e deu-lhe o braço enquanto ele cumprimentava todos os outros peregrinos. O Brendan não saía de lá por nada, e o Papa estava encantado. Passou o tempo todo a olhar para ele e a sorrir.

Quando o Papa começou a sair, aliás, quando já estava fora da porta e a desaparecer de vista, o Brendan gritou: “Adeus Papa!”. João Paulo Magno voltou atrás e a família tirou a fotografia que ilustra este artigo.
 
Brendan Kelly encanta João Paulo II
O Brendan era um místico. Conversava continuamente com Jesus e com o seu anjo da guarda. Depois de se confessar, certa noite, fez uma penitência que durou muito tempo. Lá fora o seu pai perguntou-lhe o que tinha demorado tanto. O Brendan respondeu que tinha estado a falar com Jesus. “No sacrário?”, perguntou o seu pai. “Não, na luz por cima do sacrário”, respondeu. Segundo o pároco, padre Drummond, não havia uma única luz acesa na Igreja.

O Brendan não passava por uma Igreja sem soprar um beijo e gritar, “Olá Jesus”. Esta reacção era para ele tão natural que um padre do Opus Dei ainda a usa como exemplo de um estado avançado de vida interior.

Estava tão apaixonado pela Eucaristia que depois da quimioterapia, quando ele tinha de estar em isolamento porque o seu sistema imunitário estava de rastos, a família ficava à porta da Igreja, dentro do carro. Quando chegava altura da comunhão o padre Drummond descia do altar, saía da Igreja e dava a Brendan o Santíssimo Sacramento através da janela.

A leucemia perseguiu-o durante a sua vida quase toda. Foi diagnosticado aos quatro anos e foi submetido a um tratamento de dois anos e meio. Regressou aos 10 anos e foram mais dois anos de tratamento. Aos 14 voltou de novo e fez um transplante de medula.

Oferecia o seu sofrimento pelos outros. Entre as suas intenções especiais estava a Bella Santorum [filha do político Rick Santorum], que devia ter morrido à nascença devido às suas malformações. Quando estava a sofrer de forma particularmente dura o Brendan gritava: “Amo-te Bella”. A Bella ainda vive.

Há muitas histórias fantásticas sobre Brendan Kelly. Certo dia o seu pai recebeu um e-mail urgente de um colega que tinha acabado de ser feito refém por terroristas em Bombaím e pedia as orações de Brendan. O Brendan fê-lo e disse que o homem seria salvo. O facto de ele ter sido salvo nessa mesma noite é menos interessante do que, num momento de absoluto terror, ele tenha solicitado a intercessão de um rapaz com síndrome de Down e leucemia.

O Brendan era um rapaz normal. Adorava desporto e filmes e tinha um sentido de humor infantil. Não queria estar doente, nem morrer, e perguntava porque é que Deus atendia todas as orações que ele fazia por outros, mas não por ele mesmo. Por vezes sofria de ansiedade e até depressão. O padre Drummond diz que até isto o Brendan estava disposto a carregar como a sua cruz.

Quando o padre Drummond lhe perguntou se queria ser acólito ele respondeu imediatamente que sim. Quando lhe disseram que teria de usar uma batina e uma sobrepeliz ficou com um olhar distante e sussurrou: “adoro-os”.

Brendan Kelly foi sepultado há um mês com a sua batina e a sobrepeliz. Brendan Kelly, rogai por nós.


Austin Ruse é presidente do Catholic Family & Human Rights Institute (C-FAM), sedeado em Nova Iorque e em Washington D.C., uma instituição de pesquisa que se concentra unicamente nas políticas sociais internacionais. As opiniões aqui expressas são apenas as dele e não reflectem necessariamente as políticas ou as posições da C-FAM.

(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 14 de Junho 2013 em The Catholic Thing)


© 2013 The Catholic Thing. Direitos reservados. Para os direitos de reprodução contacte: info@frinstitute.org

The Catholic Thing é um fórum de opinião católica inteligente. As opiniões expressas são da exclusiva responsabilidade dos seus autores. Este artigo aparece publicado em Actualidade Religiosa com o consentimento de The Catholic Thing.

Friday, 14 June 2013

O Nosso Corpo Foi Feito para a Comunhão

A criação de Eva
Transcrição integral da entrevista feita ao padre Miguel Pereira e a Maria José Vilaça, a propósito do IV Simpósio sobre Teologia do Corpo, que se está a realizar em Fátima. A notícia encontra-se aqui.

Como é que surgiu a ideia de organizar este simpósio?
Maria José Vilaça: Desde 2003, quando esteve cá o Christopher West, começámos a acompanhar a Teologia do Corpo e a deixarmo-nos fascinar por tudo isto e começámos a ir aos simpósios internacionais na Europa, Áustria 2007 e Irlanda 2009. Desde aí surgiu a ideia de fazer um em Fátima, curiosamente os estrangeiros que lá estavam, incluindo muitos americanos e sul-americanos, vieram pedir para fazermos em Fátima.

Não é organizada só por nós, conta com a participação do professor Peter Colosi, professor de Filosofia no Seminário de São Carlos Borromeu, em Filadélfia, e ele coordena isto com uma organização local.

Padre Miguel: Somos mais ou menos 12 pessoas em Portugal, sempre em contacto com o Peter Colosi e fazemos essa ligação com ele, vamos informando-o sobre o que acontece localmente, para ele ir dinamizando até em relação a recolha de fundos.

A Teologia do Corpo, para quem não conhece, o que é?
Padre Miguel: O Papa João Paulo II esteve na comissão que redigiu o primeiro esboço da encíclica “Humanae Vitae”. Foi uma encíclica muito complicada e de difícil acolhimento porque pedia uma grande conversão. A encíclica foi promulgada por Paulo VI em 1968, depois de uma viagem que fez a Fátima, e falava especialmente dos temas relacionados com a vida, sobretudo aborto, contracepção, relações sexuais, estamos a falar do âmbito da intimidade conjugal. E como pedia aí uma grande atenção e que demorássemos ali algum tempo, não foi muito bem acolhida.

O Papa João Paulo II esteve na comissão que redigiu o primeiro esboço do Humane Vitae, e ficou ali com um bichinho. O Papa Paulo VI dizia que para entender o texto tinha de se conceber uma antropologia adequada, uma maneira cristã de conceber o homem, capaz de dizer as razões do proceder. Foi nesse texto que o Papa trabalhou desde 68 a 79. Em 79, já Papa, ele queria ter editado o livro, mas como foi eleito Papa disseram-lhe que não podia publicar sem ser magistério. Então, o Papa João Paulo II dividiu o livro em 169 catequeses, mais seis sobre o Cântico dos Cânticos. A partir da palavra de Deus e a partir da filosofia personalista e da fenomenologia ele compõe uma maneira de ver o mundo que torna possível não só entender mas passar a viver uma experiência diferente na nossa intimidade. Isto é assim o básico da história.

Em relação ao conteúdo das catequeses, o Papa faz uma catequese bíblica, ou seja pega em várias passagens da Sagrada Escritura para explicar o que é o homem. Primeiro, no princípio o que Deus quis para o homem, porque Deus diz que criou o homem à sua imagem e semelhança, e quando procuramos a imagem e semelhança de Deus em cada um de nós procuramos normalmente na nossa alma, nas coisas que nos chamam para o belo, o eterno, o bom, o verdadeiro. Muito ao género do que é mais espiritual.

Mas o Papa diz que não só no Espírito mas também no corpo Deus deixou marcas daquilo que é. É importante perceber, se Deus é comunhão, as marcas que Deus deixa no nosso ser são sempre marcas de comunhão. Quando Deus cria, cria-os homem e mulher. Deus diz “Façamos o homem à nossa imagem e semelhança”, depois diz “Assim aconteceu. Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Homem e mulher os criou”. E podemos questionar-nos, porquê homem e mulher? Porque não criou só um, fantástico? Porque é que criou dois? E dois que na sua sexualidade se complementam, dois que são feitos na relação um com o outro? A marca de Deus é este sinal da relação, feita não apenas a nível mental, psicológico e espiritual, mas também a nível do corpo.

Se isto é assim quer dizer que o nosso corpo é feito para a comunhão, que também o nosso corpo foi feito para tocar o mistério de Deus, da Santíssima Trindade. E se é assim a nossa vida precisa de dar uma volta. Se o nosso corpo foi feito para amar a Deus e só para isso, é importante que todos os nossos gestos falem de amor, e também a nossa sexualidade.

O Papa diz que a relação sexual é o lugar da maior intimidade, onde as pessoas se entregam mais, porque entregam não só o seu pensar, não contam apenas as suas ideias, entregam-se a si próprias. Depois de me entregar na relação sexual que tenho com o meu cônjuge não há mais nada a entregar, porque já entreguei o meu corpo, é por isso que também existem tantas feridas, em tantos e tantos casais, que não se respeitaram nessa entrega. Porque sendo esse um lugar para chegar tão alto ao amor de Deus, se em vez de amarmos utilizarmos as pessoas também se desce muito fundo, deixam-se marcas muito profundas.

O Papa tinha este conhecimento porque antes de ser Papa, em Cracóvia, primeiro como padre e depois como cardeal, fez uma experiência muito importante, a que ele chamava a rede, um género de equipas de casais com quem falava, às vezes até individualmente. Ele tinha um profundo conhecimento da vida de cada um daqueles, não como quem vive a experiência, mas como quem sabe, como quem vê de fora mas percebe muitas vezes porque como nós estamos tão dentro das relações que não conseguimos ter um olhar claro sobre elas, mas o Papa conseguia tê-lo.

Tobias e Sara
A sociedade em geral tende a pensar que a Igreja tem um olhar negativo e pessimista sobre a sexualidade, mas aqui vemos um discurso completamente diferente do estereótipo…
As pessoas ficam muito admiradas quando falamos da Teologia do Corpo e da maneira que a sua sexualidade foi feita para chegarem tão alto, muitas vezes foram instruídas de forma a privilegiar o espiritual e a descurar o seu corpo. Mas é o próprio São Paulo que diz que o nosso corpo é templo do Espírito Santo. Se o próprio Espírito Santo pode habitar no nosso corpo é porque de certeza que é uma coisa boa. Hoje em dia as pessoas precisam muito disso, de saber que o seu corpo é o maior tesouro que têm, e é por isso que devem respeitá-lo imenso. Quando a Igreja diz que devemos cobrir o corpo e vestir-nos dignamente, não expormos muito o nosso corpo porque pode ser olhado indignamente, não é porque diga que o corpo é mau, pelo contrário, diz que o corpo é muito bom e se tens um tesouro não o dês a qualquer um, dá-o a quem o possa respeitar verdadeiramente.

Apesar de o Papa falar mais para os casais isto tudo implica uma nova forma de ver. Com os meus amigos, com os meus familiares, com os meus filhos, os meus gestos são chamados a ser outra coisa, a ter outro peso. As pessoas ficam surpreendidas porque vêem que afinal toda a sua vida foi feita para ter um peso diferente, uma glória diferente.

Consta que Jesus um dia falou directamente à Madre Teresa de Calcutá e disse “Quero que tu vás onde sem ti eu não consigo ir”. Isto significa que cada vez que estou num lugar estou não só em nome de Deus, mas nos meus gestos aqueles a quem eu amo provam o próprio Deus. Isso é absolutamente extraordinário.

Quando falamos só da sexualidade falamos principalmente daquele que é o maior acto de amor, a maior possibilidade de entrega da vida. Aqui é importante, e o Papa fala disso, que a entrega seja total. Não só do meu corpo, mas também do meu espírito, não só do meu espírito mas também do meu corpo.

Quando isto toca a relação conjugal toca o lugar da maior entrega. Porque no dia do meu casamento eu digo que sou todo teu para o resto da vida e a minha vida vai girar à volta da tua, na presença de Deus, porque eu quero o teu bem. Hoje em dia reduzimos muitas vezes o amor a um sentimento, mas isso não é a verdade toda, o amor é sobretudo uma vontade, a vontade de querer bem ao outro, que implica um gostar, um sentir, este impulso de querer o outro, de querer o bem dele.

Hoje em dia o que acontece muito nos casais é que em vez de se amarem usam-se muito. E o Papa apercebeu-se disso.

Que temas vão ser abordados neste simpósio?
Maria José: Tivemos o cuidado de tornar isto um bocadinho teórico e muito prático. Embora se chame um simpósio de Teologia não é uma coisa inalcançável. No primeiro dia vamos ter uma apresentação sobre a relação da Teologia do Corpo com Fátima. Não só pela questão do Papa Paulo VI ter vindo a Fátima antes de publicar a Humanae Vitae, mas por toda a ligação que João Paulo II estabeleceu, que nos permite concluir que sem Nossa Senhora de Fátima não teria havido Teologia do Corpo, porque o Papa sofreu um atentado no dia 13 de Maio, precisamente o dia em que ia lançar a fundação do Instituto João Paulo II, cujo objectivo é ensinar a teologia do corpo e aprofundar estes temas.

Depois vamos ter um segundo dia em que a maior parte das nossas comunicações vão ser sobre o que é a Teologia do Corpo, portanto vamos ter uma vertente mais académica mas com pessoas com experiência muito grande em falar destes temas, tornando-as mais perceptíveis. A experiência que eu tenho de os ouvir é de repente perceber que a nossa vida vai ter de mudar, isto é tudo tão bonito, Deus gosta de nós de tal maneira, que isto só pode provocar uma mudança na nossa vida.

No fim deste dia de Sexta-feira vamos ter já uma passagem para a parte mais prática, como é que isto se aplica, como é que se vive, e a experiência que as pessoas têm no seu próprio trabalho. Vamos abordar a pornografia, a ausência de pai na sociedade ocidental, um dos dramas com que nos deparamos, vamos ter pessoas a falar sobre a terapia conjugal e como é que a Teologia do Corpo ajuda nisto, vamos ter oradores, já no Sábado, a falar da homossexualidade e da complementaridade entre homem e mulher e depois, no Domingo, vamos ter pessoas de África para falar da experiência da teologia do corpo em África, porque lá acolheram melhor e muito mais rapidamente a teologia do corpo do que na Europa, o que terá a ver com a pureza do coração e a abertura de espírito das pessoas. Convidámos duas pessoas que nos vêm falar dessa experiência e vamos ainda ter uma apresentação sobre a NaProTechnology, que muito pouca gente conhece em Portugal, mas que é uma alternativa à procriação medicamente assistida, chamada NaPro Technology. Vem cá um professor Phil Boyle que vem falar de um estudo que fez com 400 casais que passaram pela procriação medicamente assistida e não tiveram sucesso e que teve consequências complicadas na vida deles, ele vem-nos dar o resultado desta investigação depois de ter usado esta “Natural Procreation Technology”.

No Domingo o tema era a teologia do corpo e a nova evangelização e vamos ter abordagens que nos remetem para a essência do que é a nossa ligação com Deus e vida de comunhão com Deus porque é daí que tudo parte.

Há muitas inscrições?
Pe. Miguel: Está a correr tão bem como esperávamos, ligeiramente acima. Pensava que não íamos ter mais de 120 inscrições, mas como os portugueses se inscrevem sempre em cima da hora, vamos agora com 210. Temos tido muita gente a querer nos ajudar generosamente.

Wednesday, 12 June 2013

O Direito ao Erro e a Morte da Tolerância

Francis Beckwith
“Well, George Lewis told the Englishman, the Italian and the Jew
«You can’t open your mind, boys
To every conceivable point of view»”
Bob  Dylan, High Water (For Charley Patton)


Há vários anos fui convidado para participar num programa de rádio para discutir um dos meus livros. Nem me lembro qual, mas recordo-me perfeitamente de um diálogo com um ouvinte que ligou. Ele estava claramente irritado pelo facto de eu estar a dar argumentos a favor da inviolabilidade da vida humana nascitura e de estar a explicar, detalhadamente, por que razão acreditava que um ser humano não nascido tem uma natureza pessoal e que o aborto é um homicídio sem justificação.

Depois de alguma conversa de circunstância e de eu ter respondido à sua questão sobre a personalidade humana, o ouvinte declarou, claramente exasperado: “Dr. Beckwith, você é intolerante. Tem tanta certeza de que está certo e que todos os outros estão errados.” Para alguém como eu que gosta de brincar com questões filosóficas este tipo de declaração é boa de mais para ser verdade. É o tipo de cliché mal pensado que tem ajudado a manter o meu livro “Relativism: Feet Firmly Planted in Mid-Air”, escrito com Gregory P. Koukl, nas livrarias há 15 anos.

Respondi fazendo ao ouvinte a seguinte pergunta: “Estou errado ao pensar assim?” Esta é uma resposta interrogativa que tanto eu como o Greg já usámos inúmeras vezes, e que já partilhámos com o público em muitas conferências. O ouvinte respondeu: “Sim”. Pelo que eu disse: “Então você é exactamente igual a mim. Você pensa que tem razão, e que eu estou errado. A diferença é que eu admito que algo é verdade. Você, por outro lado, acredita que algo é verdade, mas age como se não acreditasse”.

Então ele tentou dizer a mesma coisa de outra maneira, mas passava o tempo a tropeçar. Não o conseguia dizer sem entrar em contradição. A dada altura confessou: “Não consigo dizer o que quero dizer sem parecer ridículo”. Respondi: “Isso é porque o que está a tentar dizer é ridículo”.

Reparem que o ouvinte ignorou simplesmente a substância do meu caso, embora isso não me tenha surpreendido. A maioria das pessoas com quem me cruzo, mesmo aquelas que tiraram licenciaturas de instituições de elite, não se preocupa muito com argumentos, apesar de se definirem como campeões da “razão” e inimigos da “superstição religiosa”.

Claro que também afirmam ser defensoras da “diversidade” e do “multiculturalismo” ao mesmo tempo que consideram que todas as instituições, tanto públicas como privadas, devam parecer idênticas na sua composição étnica e de género, bem como nas suas posições fundamentais sobre a sexualidade humana, o conhecimento e o papel do Estado.



É por isso que a recusa da Igreja Católica em mudar o seu ponto de vista sobre o sacerdócio masculino, o casamento, a sacralidade da vida, contracepção e a instrumentalização da reprodução é confrontada com histeria e não com um apelo à defesa das contribuições distintivas que o Catolicismo introduz na nossa sociedade multicultural.

Uma vez que os críticos da Igreja confundem antropologia com cosmetologia, acabam por apelar à conformidade forçada, travestida de diversidade. O que a muitos de nós parece uma hostil exigência de hegemonia liberal, eles dizem ser apenas um convite a alegrarmo-nos no pluralismo.

A minha conversa com aquele ouvinte é um microcosmo desta incoerência. A maioria das pessoas com tendências liberais, tal como este ouvinte, invocam muitas vezes a “tolerância” sem se aperceberem verdadeiramente do que isso implica numa democracia liberal como a nossa.

Se a tolerância é uma virtude cívica, então implica que reconheçamos que aqueles com quem discordamos estão errados. Porque quando eu e outro cidadão estão de acordo não nos estamos a tolerar, estamos de acordo. Porém, ironicamente, muitos na nossa sociedade pensam que o facto de considerar que alguém está errado é em si um acto de intolerância.

Sob esta definição de tolerância o estar de acordo, em vez de estar em desacordo, é que se torna uma condição necessária para a tolerância. Neste caso a tolerância fica de pernas para o ar e torna-se, paradoxalmente, intolerância.

Muitos dos meus amigos liberais, tal como o ouvinte, dizem que devemos ser cépticos em relação à confiança que depositamos nos nossos juízos relativos a assuntos sobre os quais pessoas razoáveis podem discordar. Mas é precisamente em relação a alguns desses assuntos que os seus amigos são mais impiedosos, punitivos e prontos a fazer juízos de valor. Parecem dispostos, ironicamente, a copiar precisamente o tipo de dogmatismo e fechamento mental que apontam de forma pejorativa aos “fundamentalistas cristãos”. Defendendo, embora, a rejeição de instituições e formas de vida que excluem quem é diferente, não praticam o que pregam e, na prática, fazem questão de excluir todos os que pensam de forma diferente da oficial.

A tolerância não pode ser infinitamente elástica. Tanto liberais como conservadores estão de acordo a este respeito. Mas se em questões fracturantes, para as quais o liberalismo foi inventado para fornecer um modus vivendi, a tolerância não pode ser aplicada de forma coerente, então chegámos ao ponto em que o liberalismo abraçou aquilo que, em tempos, afirmava rejeitar: “Não existe o direito ao erro”.

Se assim é, então a tolerância morreu.


(Publicado pela primeira vez na Sexta-feira, 7 de Junho 2013 em The Catholic Thing)

Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George e Susan McWilliams), A Second Look at First Things: A Case for Conservative Politics, a festschrift in honor of Hadley Arkes.

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Tuesday, 11 June 2013

Lobby gay no Vaticano e turcos descontentes

O Papa reconheceu a existência de um lobby gay no Vaticano? De acordo com uma alegada transcrição de um encontro do Papa com representantes de ordens religiosas na América Latina, sim… por enquanto é só diz-que-disse, aguarda-se comentário da Sala de Imprensa da Santa Sé.

Os turcos, provavelmente ocupados com problemas domésticos, demoraram, mas responderam. E não estão contentes com o facto de o Papa ter dito que o massacre de arménios foi um genocídio.

Cabo Verde vai ser o primeiro país da África Ocidental a celebrar uma concordata com a Santa Sé. Temos aqui entrevista com o bispo D. Ildo Fortes.

Começa hoje uma exposição solidária para angariar dinheiro para o Convento dos Cardaes. Saiba tudo aqui.

Ontem foi dia de Portugal. Octávio dos Santos considera que não devia ter sido e queixa-se ainda que o “Cristianismo está sob ataque de um politicamente correcto totalitarista”, pode ler a transcrição completa desta entrevista no blogue, como de costume.

“Cristianismo está sob ataque de um politicamente correcto totalitarista”

Transcrição integral da entrevista feita a Octávio dos Santos. A notícia completa pode ser lida aqui.


Temos aqui uma colecção de ideias e propostas, uma grande preocupação sobre Portugal. De onde vem esta preocupação?
Não sei ao certo de onde vem, mas sei que vem de há muito tempo. Aliás o primeiro texto do livro, que é como o início oficioso do mesmo, porque eu só comecei a pronunciar-me sobre a realidade portuguesa em 1985/1986, mas há um texto de 1975/76.

Claro que eu era muito novo ainda quando foi o 25 de Abril e o PREC e eu via tudo a passar-se à minha volta e sentia e os meus pais explicavam, que o país estava a passar por grandes transformações. Com o decorrer dos anos fui formulando a minha personalidade, vendo o que se passava e senti a necessidade de exprimir o que pensava, o que deveria ser diferente, o que devia ser melhorado. Os anos foram passando, os protagonistas também, mas eu sentia que muitos dos problemas continuavam por resolver, alguns até se iam agravando.

Para si grande parte destes problemas têm as suas raízes há mais de um século…
Sem dúvida alguma. A instauração da República. O meu processo de maturação política e do meu pensamento levou tempo. Vamos conhecendo a história, falando com as pessoas, conhecendo aspectos que não são divulgados, propositadamente. Passado pouco tempo pude descobrir, como qualquer pessoa pode, que antes da implantação da república havia um regime que, longe de ser perfeito, tinha qualidades e estava em consonância com o que se passava noutros países da Europa da altura. Havia liberdade de expressão, foi a época da geração de 70 em que Eça e todos os seus contemporâneos puderam exprimir-se, desenvolver-se. Rafael Bordalo Pinheiro, houve progresso material, Fontes Pereira de Mello, e não só.

O que é certo é que a implantação da República, ao contrário do que muitos apregoaram e as comemorações do Centenário da República há três anos pretendeu inculcar essa ideia, que é falsa, a implantação da República não foi uma melhoria, nem um progresso. Pelo contrário, foi um retrocesso. Portugal e os portugueses passaram a ter menos liberdades menor liberdade de expressão, e em termos económicos e sociais houve claramente uma degradação do Estado do país.

Não estamos aqui perante um incidente isolado que mudou o regime. Há aqui uma ideologia que condena também e que identifica com outros factores, como a introdução do “casamento” entre homossexuais, por exemplo…
Digamos que ao longo dos últimos anos tem-se visto a hipocrisia por parte de certos políticos. Por um lado incentiva-se que a população se pronuncie, mas ao mesmo tempo que se queixam que essa participação não se verifica, o que é certo é que em determinados assuntos que são fundamentais, polémicos e controversos, mas fundamentais, não é dada a oportunidade aos portugueses de se manifestarem, e este é apenas um exemplo.

Outro exemplo ainda mais absurdo e anedótico é o acordo ortográfico em que todo um fundamento basilar do país e da nossa identidade é posto em causa de forma inútil e absurda, imposta de cima para baixo, contra todos os pareceres, excepto os dos que elaboraram o dito acordo, e em que as vozes dissonantes, que representam mesmo a maioria da população são sistematicamente caladas.

Não há, ao contrário das grandes promessas que foi havendo ao longo dos tempos, sobretudo depois do 25 de Abril, não há uma transparência e uma relação de lealdade para com os cidadãos. O que é mais grave é que vozes de outras pessoas, como eu, que têm certas ideias, sentem-se e por vezes são mesmo postas de lado e não têm acesso tão fácil a certos meios para partilhar as suas ideias.

É monárquico, fala disso várias vezes, tem um percurso nesse sentido, incluindo a publicação da obra de ficção “A República Nunca Existiu”. Mas que monarquia é que quer, tendo em conta que muitas das monarquias europeias actuais também têm os escândalos e as medidas que tanto critica, como o “casamento” entre homossexuais, por exemplo.
Há que ver o que se passou, para já, na nossa história. O que se passa em Portugal é que a discussão entre república e monarquia não é, ou não deve ser, meramente teórica, porque já temos experiências concretas de uma e de outra, portanto dá para comparar. Depois, podemos estar atentos com o que se passa noutros países e aprender com os erros que se passam nesses países.

Claro que, para já, para um país como Portugal em que o grande problema não é só financeiro e económico, mas também de ânimo, psicológico, em que o país precisaria de um novo dinamismo e incentivo, de uma nova vontade para crescer e desenvolver-se, a crise não passa com esta classe política e com esta forma de dirigir o país em que o Presidente da República, seja quem for, acaba por se comportar, ou pelo menos é visto como tal, como um elemento de uma facção, porque aliás ele é sempre um elemento de uma facção. Ele nunca é eleito ou aclamado ou sufragado pela generalidade do povo português. Portanto para um país como Portugal, com a sua história e as suas características, a monarquia é, aliás já era e continua a ser, a melhor solução nesse aspecto. Mas como eu digo também, num artigo que encerra o meu livro “Um Novo Portugal”, a solução não passa simplesmente por alterar a chefia de Estado, teria de haver, idealmente, uma completa reformulação em muitas das instituições do país.

Tem aqui muitas críticas. Não falta um tom de esperança?
Digamos que já houve um período em que tive mais esperança do que tenho hoje. Na viragem do século, final dos anos 90, em que coincidiu aqueles anos da Expo 98, todo aquele movimento foi algo de espantoso que não se via há muito tempo, como a solidariedade com Timor. Naquela altura pensei, “bom, talvez estejamos no caminho certo”. Mas depois as coisas complicaram-se. Houve ali um dinamismo que não teve continuidade, não apenas por questões políticas.

Eu não tenho dúvidas que homens e mulheres de qualidade possam existir na esquerda e na direita, embora eu não me considere nem uma coisa nem outra, mas o que é certo é que se os dados estão viciados à partida, se as instituições e o modo de funcionamento já mostraram que não são os adequados, é difícil as pessoas, por maiores que sejam as qualidades, consigam alterar o estado de coisas, esse funcionamento.

Não tenho motivos de esperança quando, por causa desta crise que estamos a atravessar, que nunca é demais recordar é da inteira responsabilidade do anterior primeiro-ministro, torna-se difícil quando vemos tanta das nossas capacidades, nomeadamente através dos nossos concidadãos, desistirem ao ir para o estrangeiro, ou até ficando cá e desistindo de participar e dar o seu contributo porque não têm incentivos para isso, porque sentem coarctados os seus esforços.

Tem também textos sobre a regionalização, um debate que se vai reacendendo. Contrapõe com o municipalismo. O que é esse conceito, e de que modo é melhor que a regionalização?
Tem longas tradições. Aliás isso é algo que distingue Portugal na sua história de outros países. Tenho dúvidas que Portugal tenha passado por um regime feudal. Portugal nasceu por causa de uma personalidade de um rei forte. D. Afonso Henriques tinha uma personalidade fortíssima e o certo é que sempre que na história o rei de Portugal não foi forte, o país ressentiu-se. Portanto havia nobres com importantes papéis e contributos, prestígio e influência, mas o crescimento de Portugal passou muito por dar voz e autonomia, pelos forais, às populações e aos concelhos.

Por isso, apesar dos muitos abusos que se verificaram, creio que o contributo do poder local acabou por ser mais positivo que negativo, embora sem dúvida com alguns defeitos. Mas caramba, não vamos esperar que todas as pessoas sejam perfeitas e é por isso que devia existir, por um lado, um sistema de justiça que funcione, atento, eficaz. Não o temos tido. Uma comunicação social atenta, que até certo ponto faz isso, que denuncia, que informa, que alerta. Portanto nesse nível como em todos tudo passa por cada um de nós, individualmente, ou integrados nas organizações em que estamos integrados, darem o seu contributo e esforçarem-se por fazer o seu melhor, não se conformarem, mas na situação em que estamos é difícil a pessoa não se sentir um bocado desalentada.

Estamos a chegar ao dia 10 de Junho. O Octávio considera que esse não devia ser o dia de Portugal. Porquê, e que alternativa propõe?
Pura e simplesmente 10 de Junho começa por ser o dia de Camões. É talvez a única data que podemos associar a Camões, mas é a data da morte dele.

Aquilo que me parece incongruente é que o dia de Portugal, em que devíamos celebrar a nossa existência, enquanto nação independente, seja para já a data da morte de um poeta, do nosso maior vulto literário, mas que é também a data em que Portugal perdeu a sua independência, em que a dinastia dos Felipes entra em Portugal e assume a liderança e os destinos do país.

Para mim não faz sentido que o dia de Portugal seja da época em que Portugal perdeu a sua independência. Outras datas haveria. Eu elenco-as, mas creio que o dia que melhor serviria seria o 14 de Agosto, da Batalha de Aljubarrota. Essa foi uma data a todos os níveis importante, em que Portugal reafirmou a sua independência, consolidou a dinastia de Avis, com tudo o que veio a proporcionar a seguir, a expansão, os descobrimentos.

Estranha-se, no seu livro, uma ausência de referências ao papel da religião na sociedade portuguesa…
Digamos que essa é uma questão complicada, faz parte da minha própria evolução pessoal. A religião está sempre presente, mesmo que seja de forma sub-reptícia, seja para mim, seja para os outros, mesmo que não queiram assumir. O livro é feito de artigos escritos e publicados em locais e anos diferentes, mas se isso não está claro quero que fique aqui, que é algo de que me orgulho, da tradição cristã portuguesa, que não deve ser posta em causa. É um debate que passa também pelo resto da Europa, em que o Cristianismo nas suas diferentes facetas parece estar sob ataque de um politicamente correcto que em alguns aspectos assume formas de verdadeiro totalitarismo.

Por isso, valores que são totalmente contra os nossos princípios de sociedade ocidental de tolerância e desenvolvimento acabam por surgir. Defender o Cristianismo, e não estou com isto a dizer que não deve haver tolerância para os outros, é um valor que deve ser preservado, se não na sua vertente religiosa, pelo menos na vertente social, de valores, de respeito pelo próximo, mas respeito sem permitir que aquilo que temos de melhor seja posto em causa.

Thursday, 6 June 2013

Papa sem férias e viagens que se prolongam no tempo...

O mais próximo que o Papa vai
estar de uma palmeira este verão
Começa hoje uma peregrinação à Terra Santa da Universidade Católica. Este é o tipo de viagem que não acaba com o regresso a casa, explica uma peregrina que a fez recentemente. Aqui podem ler a entrevista completa ao padre João Lourenço, especialista na Terra Santa e orientador desta peregrinação.

O Papa Francisco não vai para Castel Gandolfo nas férias, não fazia férias enquanto arcebispo de Buenos Aires, não fará agora, explica o Vaticano.

Os futuros diplomatas do Vaticano correm o risco de se tornarem leprosos… ou de serem carreiristas, o que segundo o Papa é mais ou menos a mesma coisa. Seja como for, o melhor é ter cuidado, alerta Francisco!


“Uma peregrinação à Terra Santa é um belíssimo instrumento de evangelização”

Transcrição integral da entrevista ao padre João Lourenço, director da Faculdade de Teologia da Universidade Católica, a propósito da peregrinação à Terra Santa da Universidade. A notícia encontra-se aqui.


Quantas pessoas vão nesta peregrinação e quanto tempo dura?
Trata-se de uma peregrinação que eu considero um programa longo, são duas semanas. Inclui a totalidade de Israel e também a Península do Sinai, incluindo a subida ao Monte Sinai e a visita ao Convento de Santa Catarina.

É uma peregrinação singular porque feita a partir da Universidade Católica, mas também porque reúne dois grupos, um que vem directamente de Macau, constituído por 17 pessoas, que vêm via Hong Kong, e um grupo de Lisboa, incluindo pessoas ligadas à universidade, na sua maioria, e outras menos próximas. As ligadas à universidade são essencialmente as que frequentam os cursos que eu oriento, ou pessoas amigas. De Lisboa vão 16 pessoas.

É uma tradição a Universidade Católica peregrinar à Terra Santa?
Eu já orientei outras iniciativas semelhantes a esta, a partir da universidade. A primeira, propriamente, que remonta a uma relação com a universidade foi em 1988, em que participou D. José Policarpo que nesse mesmo ano tinha sido nomeado reitor. Várias vezes fiz peregrinações destas com grupos de finalistas. Depois a tradição interrompeu-se e desde o meu regresso desenvolvi mais neste sentido.

Da sua parte não será a primeira vez. Que experiência tem da Terra Santa?
Estudei em Israel durante dois períodos de tempo que perfazem cinco anos, quatro a fazer o meu doutoramento, de 1980 a inícios de 1985, depois mais tarde por alguns meses entre 2003 e 2004, em licença sabática para preparar a minha agregação. Portanto posso dizer que conheço melhor Israel que Portugal, pelo menos na sua diversidade geográfica, histórica, espiritual, nos seus caminhos e itinerários. Para além disso dirigi já várias viagens. Uma das que faço frequentemente é precisamente ao monte Sinai, ao qual espero subir em breve pela 12ª vez.

Portanto vou lá num ritmo relativamente anual, às vezes com duas ou mais visitas, se bem que desde que sou director da Faculdade de Teologia tenho menos tempo. Para além disso tenho cartão de guia de peregrinações, pelo que não só organizo e preparo os programas, como faço de guia na totalidade da peregrinação, não só espiritual. Isso dá-me uma satisfação muito grande porque acredito e sinto que uma peregrinação à Terra Santa é um belíssimo instrumento de evangelização e de fazer uma nova catequese, que contextualizada, localizada, quer histórica e geograficamente pode retirar-se e colher-se mais benefícios espirituais, tanto em grupo como individualmente.

Para mim é um instrumento muito importante, que por outro lado, como sou professor de Sagrada Escritura, me ajuda a actualizar e a passar aos peregrinos aquilo que já escutaram e sentiram a partir do texto, ou no estudo exegético e hermenêutico dos textos bíblicos.

É importante, a seu ver, viajar com um guia, alguém que já conheça o local e as suas histórias?
Essa é uma questão muito importante. Em Israel há bons guias, conheço alguns bons, excelentes, respeitadores, conhecedores da realidade cristã e atenciosos. Não diria que todos, mas uma parte sim. O que é importante quando se prepara uma viagem à Terra Santa, se se quer que seja verdadeiramente uma peregrinação e os peregrinos colham os melhores frutos dessa experiência e dêem por bem empregues os custos e os sacrifícios que fazem para poder beneficiar desses momentos, creio que uma viagem dessas deve ser bem preparada e deve ter alguém, se não o guia primeiro da peregrinação, pelo menos um bom assistente espiritual.

O que sucede muitas vezes é que os programas são de descanso disfarçado, são viagens quase iguais às outras, os grupos compram os programas e não propõem os seus programas.

No meu guia da Terra Santa deixei algumas propostas de programas que se podem fazer, para grupos, sacerdotes, orientadores de peregrinações, com motivações, lugares, itinerários, percursos adequados, o que permitirá aos grupos beneficiar mais. Portanto uma viagem à Terra Santa, para ser uma peregrinação, tem de ter esta matriz, esta identidade específica. Caso contrário não será uma peregrinação, chamem-lhe uma visita turística, um percurso, um itinerário de matriz histórica, tudo isso tem o seu lugar, mas acho que para uma identidade específica de um grupo em peregrinação, e para poder beneficiar dessa riqueza, que pode proporcionar, tem de ser bem acompanhada e bem organizada, não deixar que sejam as agências a fazer os percursos, mas que cada guia, chefe ou responsável do grupo, saiba de facto ter uma identidade específica para conferir a esse grupo.

Isso é uma tarefa muito importante e creio que com isso todos beneficiam e as viagens podem tornar-se de facto um momento privilegiado na vida de cada pessoa.

Durante a peregrinação existe algum contacto com as comunidades cristãs locais?
Procuramos algum contacto. Não é fácil. Os contactos que acima de tudo procuramos é sermos recebidos por alguém da Custódia da Terra Santa, que nos apresenta as dinâmicas pastorais e motivações fundamentais que presidem à espiritualidade da Terra Santa e à presença dos cristãos.

Os contactos com as comunidades, às vezes ocasionais, acontecem com grupos que se cruzam connosco ou que celebram ou antecedem as nossas celebrações. É difícil fazermos visitas porque as comunidades só se reúnem ao domingo, Sábado ou sexta-feira, de acordo com as possibilidades que têm, e isso é de facto muito difícil, porque os itinerários são marcados por um ritmo acelerado. Para podermos fazer mais esse contacto com os santuários, as experiências dos lugares, o percurso das estradas e dos itinerários bíblicos, o nosso tempo é muito limitado. Mesmo com duas semanas, muito fica por fazer.

Para os cristãos não há centros de peregrinação obrigatórias, como existe no Islão, por exemplo, mas acha que todos os cristãos devem tentar ir à Terra Santa?
Eu diria que isso era um ideal, desde que fosse uma experiência espiritual, não uma obrigação ou uma necessidade.

Um contacto com a Terra Santa pode ajudar os cristãos a interiorizar, a percepcionar, a ter aquela experiência interior, de uma dimensão mais contextualizada e mais vivenciada daquilo que é a realidade bíblica, dos dinamismos da experiência e da teologia bíblica. Contextuar, situar no espaço e no tempo, ter uma geografia bíblica da realidade da palavra bíblica é uma experiência importante e um elemento importante.


Na minha experiência os inúmeros grupos que têm ido comigo, muitos dizem que a partir da visita toda a riqueza da palavra tem um novo sabor, um novo sentido.