Francis J. Beckwith |
A 15 de Dezembro a universidade evangélica Wheaton
College, de Chicago, suspendeu uma professora residente de ciências políticas.
O comunicado de imprensa da universidade afirma que a professora Larcyia Hawkins foi
suspensa “devido a questões significativas sobre as implicações teológicas de
afirmações que fez sobre a relação entre o Cristianismo e o Islão”. Que
afirmações são essas?
Segundo um artigo na Christianity Today, a Drª Hawkins atraiu as atenções quando afirmou publicamente no
Facebook que iria passar a usar o véu islâmico como parte do seu percurso de Advento
como gesto “de solidariedade religiosa com os muçulmanos porque eles, como eu,
uma cristã, são um povo do livro. E como o Papa Francisco afirmou a semana
passada, adoramos o mesmo Deus”.
Para ter a certeza que a utilização do véu islâmico por uma
não muçulmana não seria ofensiva para os muçulmanos, Hawkins pediu ajuda ao
Conselho para as Relações Americanas e Islâmicas (CAIR), que lhe disse que
seria permissível. Mas a universidade não está preocupada com a mudança de
vestuário da professora. Nas palavras do presidente Phillip Ryken, “a
universidade não tem qualquer posição sobre a utilização de véus como sinal de
cuidado e preocupação por membros da comunidade muçulmana, ou outras, que
possam enfrentar discriminação e perseguição”.
Parece evidente, portanto, que aquilo que preocupa a
universidade é a afirmação teológica de que os muçulmanos são um “povo do
livro” com os quais “adoramos o mesmo Deus”. Esta última parte da afirmação foi
mesmo apelidada de “incrível” e “verdadeiramente de deixar de boca aberta” por
Denny Burk, um conhecido professor evangélico de Estudos Bíblicos.
Antes de eu passar a explicar porque é que Hawkins tem
razão no que diz respeito a muçulmanos e cristãos adorarem o mesmo Deus e, por
isso, que a sua suspensão por negar implicitamente a Posição de Fé da
Universidade não tem cabimento, é importante mostrar porque é que ela está
errada sobre os cristãos e muçulmanos serem “povos do livro”.
Em primeiro lugar, a vasta maioria dos cristãos não pensa
assim sobre a sua fé. Os católicos, por exemplo, embora acreditem na autoridade
das Escrituras, não encaram a sua fé como sendo fundada num livro. Como diz o
Catecismo da Igreja Católica “No entanto, a fé cristã não é uma ‘religião do
Livro’. O Cristianismo é a religião da ‘Palavra’ de Deus, ‘não de uma palavra
escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo’. Para que não sejam letra morta,
é preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus vivo, pelo Espírito Santo, nos
abra o espírito à inteligência das Escrituras”.
Depois, na teologia islâmica, a frase “povo do livro” diz
respeito apenas a seguidores de outras religiões abraâmicas (como judeus e
cristãos) e não aos próprios muçulmanos. É uma confusão parecida com aquela que
não-católicos cometem quando confundem a Imaculada Conceição com o nascimento
virginal.
Larciya Hawkins, com o seu véu |
Por isso, o facto de os cristãos chamarem a Deus “Javé” e
os muçulmanos lhe chamarem “Allah” não faz qualquer diferença desde que ambos
tenham propriedades idênticas. De facto, aquilo que conhecemos como teísmo
clássico foi adoptado por alguns dos maiores pensadores das religiões
abrâamicas: São Tomás de Aquino, Maimonides e Avicena. Uma vez que, de acordo
com o teísta clássico, por princípio apenas pode haver um Deus, os cristãos,
judeus e muçulmanos que adoptam o teísmo clássico devem estar a adorar o mesmo
Deus. Não pode ser de outra maneira.
Mas não é verdade que o Cristianismo afirma que Deus é
uma Trindade e os muçulmanos o negam? Isto não significa que, na verdade,
adoram “Deuses” diferentes? Não necessariamente. Atente-se neste exemplo. Imaginem
que o Fred acredita que existem provas convincentes de que Thomas Jefferson
teve vários filhos com a sua escrava Sally Hemings e, por isso, o Fred acredita
que Jefferson possui a propriedade de “ser pai de vários dos filhos de
Hemings”. Por outro lado, o Bob não se deixa convencer por essas provas e
acredita que Jefferson não possui essa propriedade de “ser pai de vários filhos
de Hemings”.
Não será lógico então dizer que o Fred e o Bob não
acreditam no mesmo terceiro Presidente dos Estados Unidos? Claro que não. Da
mesma maneira, Abraão e Moisés não acreditavam que Deus era Trindade, mas Santo
Agostinho, São Tomás de Aquino e Billy Graham acreditam. Isso significa que
Agostinho, Aquino e Graham não acreditam no mesmo Deus que Abraão e Moisés?
Mais uma vez, claro que não. O facto de uma pessoa ter um conhecimento
incompleto ou falso sobre outra pessoa – seja humana ou divina – não significa
que alguém com informação melhor ou mais completa não esteja a pensar na mesma
pessoa.
Por estas razões, seria uma verdadeira injustiça se a
Wheaton College fosse despedir a professor Hawkins simplesmente porque quem está
a avaliar o seu caso não consegue fazer estas distinções filosóficas subtis,
mas importantes.
(Publicado pela primeira vez na Quinta-feira, 17 de Dezembro
2015 em The Catholic Thing)
Francis J. Beckwith é professor de Filosofia e Estudos
Estado-Igreja na Universidade de Baylor. É autor de Politics
for Christians: Statecraft as Soulcraft, e (juntamente com Robert P. George
e Susan McWilliams), A
Second Look at First Things: A Case for Conservative Politics.
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Javé e Alá não são termos diferentes para se referirem à mesma coisa porque essêncialmente Javé e Alá não são iguais, não têm os mesmo atributos. Nem se pode comparar Abraão ou Moisés com São Tomás porque os primeiros não tinham a revelação de Jesus Cristo e isso faz parte da pedagógia que Deus vai fazendo com o Seu povo.
ReplyDeleteA questão sobre Cristãos e Muçulmanos adorarem o mesmo Deus está resolvida por São Gregório VII na XXI carta a Anzir, rei da Mauritania, onde escreve "..., qui unum Deum, licet diverso modo, credimus et confitemur, qui eum creatorem huius mundi cotidie laudamus et veneramur." "Unum Deum" (um só Deus) é diferente de "eundem Deum" (o mesmo Deus); e depois mesmo a expressão "unum Deum" vem qualificada, isto é, "um Deus, na medida em que acreditamos que há um só Deus que é criador e juiz do mundo e do tempo”, e por aí fica o que os une. Segue-se que há características do Deus cristão que não se incluem no Deus Muçulmano, logo não são o mesmo Deus. Então há dois Deuses? Não, isso é impossível (argumento endonoético de Santo Anselmo)... por isso há um que não é Deus, ainda que acerte no objecto de referência falha no conteúdo. Está carta de São Gregório VII é onde se baseia tanto o catecismo de São Pio X, 225 como o CIC §841. O mesmo, estará certo, enquanto se referem a um Deus que é único; deixa de o estar, quando se começa a caracterizar a sua natureza, e sobretudo a revelação.